DE CABECEIRA

Foi por absoluto acaso que conheci o Jairim, ‘minimo bão’ lá das Três Lagoas. Nos idos de 2008 cliquei num link na página do UOL que remeteu a uma crônica sua, falando sobre as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência no seu dia-a-dia. Apesar da seriedade do assunto, o que mais me encantou foi a forma leve e divertida com que ele discorria sobre o assunto, vez por outra me arrancando boas risadas.

De imediato busquei informações sobre o cara, descobri que era jornalista da Folha de São Paulo, cadeirante por sequelas de pólio, torcedor do Santos e blogueiro. Simplesmente um craque. 

Acho que no mesmo dia li todas as suas postagens e dali em diante me tornei seguidor. Daí pra deitar falação na parte de comentários foi um pulo, um belo dia recebi uma visita dele no meu blog e foi nascendo uma amizade que acabou envolvendo os demais paroquianos do ‘blog do Jairo’. Viramos uma turma, unida e homogênea, composta por pessoas que nunca haviam se encontrado pessoalmente mas que viram naquele canal uma boa oportunidade de trocar experiências, falar de si, soltar os cachorros, se divertir e fazer tudo aquilo que as boas amizades permitem.

O mundo virtual passou a ficar, senão incômodo, pequeno demais. Foi quando rolou a ideia de um encontro em São Paulo, onde morava a maioria. Os demais membros da confraria eram goianos, paranaenses, mineiros, potiguares, gaúchos, cariocas, além da galera de fora, como EUA, Nova Zelândia e Portugal. Uma turma não muito convencional: uns não andam, outros não ouvem, tem os que não enxergam, os que têm dificuldades para falar ou se movimentar. Tem até aqueles sem deficiência, vê se pode!

Assim como o Amauri e a Sinhá da Camiranga, imagino que sempre joguei no time dos despirocados das ideias.

Acho que foi em 2009 que nos conhecemos pessoalmente. Foi no Shopping Pátio Paulista, mais especificamente no restaurante Mr. Jack, que passou a ser nosso quartel-general a partir de então. Aquele monte de cadeiras de rodas, cães-guia e pessoas ‘diferentes’ deve ter sido meio louco para os frequentadores do shopping, principalmente porque estávamos afrontando todos os estereótipos ligados às pessoas com deficiência: ninguém pedia esmola ou tinha cara de coitadinho, muitos seguravam uma caneca de chope, crianças brincavam como dava e lhes convinha, o papo fluía do futebol à filosofia e quem resolvia vazar pagava a própria conta.

Combinamos de repetir os encontros pelo menos uma vez por ano, e temos conseguido. Alguns até viraram vídeo, como esse aí feito em 2011:



Pra cego ver e surdo ouvir: o vídeo mostra fotos produzidas durante o encontro e traz ao
fundo a música Imagine, interpretada por Eva Cassidy e legendas com mensagens diversas.

Ou esse, de 2012:

Pois é, quem tem tanta história pra contar (e produz tanta história pra ser contada) acaba escrevendo um livro, né não?

Desde meados de novembro passado o Jairo vem nos enrolando com essa história de livro, assunto misterioso e sem detalhamento, a gente numa curiosidade doida e nada do homem abrir o jogo. Até que em abril ou maio deste ano trocamos mensagens inbox cujo assunto era o lançamento do livro, previsto para fim do mês passado. Logicamente eu tinha claro qual seria o conteúdo, mas permaneceu o mistério quanto a aspectos como contexto, abordagem e título. Por questões mercadológicas orientadas pela própria Folha, Jairo pediu segredo até segunda ordem.

Enfim, feliz feito pinto no lixo comprei passagens e reservei hospedagem ao receber sinal verde para o lançamento, confirmado para dia 28 de junho. 


Pra cego ver: imagem do convite para o lançamento do livro, contendo informações sobre data
e local, além de desenho reproduzindo a capa principal.

De repente a livraria ficou com ares de Congonhas, a fila dando voltas onde antes havia corredores. A noite bombou, Jairo deve ter ficado malacabado da mão boa após autografar centenas de exemplares. Como eu fui um dos últimos, minha dedicatória ficou parecendo receita de gardenal emitida durante um terremoto.

O primeiro livro é apenas mais um capítulo na trajetória dessa figura admirável, que segue provocando e reagindo, escrevendo e questionando. Salvo alguns poucos momentos de desânimo frente a empedernidas mentes burras, antigas e com validade vencida, o jornalista Jairo Marques dedica seus dias a buscar a inclusão das pessoas com deficiência em todos os níveis da vida em sociedade, e creio que pode celebrar o que já conquistou que, em breve resumo, se constitui de imensas melhorias nas atitudes das pessoas e, por consequência, na diminuição de barreiras atitudinais e arquitetônicas, que redundam logicamente na atenuação dos perrengues de quem precisa de uma rampa, de um cardápio em braille, de quem precisa utilizar vagas exclusivas, de quem gosta de cinema e teatro e precisa de legendas e ou audiodescrição. Claro que a conquista mais visível é sua imensa legião de fãs, que também fazem as vezes de fiscais da acessibilidade.

Como eu esperava, foi uma leitura mais que prazerosa. O texto de meu amigo é sempre verdadeiro. Às vezes chocante, outras vezes divertido, mas sempre forte e verdadeiro. Jairo hoje tem mais motivos para suas tentativas de melhorar o mundo porque, além de sua eterna deusa Thaís, agora também tem a seu lado a pequena Elis, recém-chegada e dona de um sorriso cativante como o da mãe e olhos amendoados e espertos de quem sabe ter nascido num berço do bem. 

O cara é um craque. Acho que já falei isso lá em cima.

Em tempo: recomendo demais a leitura de Malacabado. Quem se interessar pode acessar o próprio sítio da Folha clicando aqui e encomendar seu exemplar. 

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4 respostas para DE CABECEIRA

  1. Sempre digo que o mérito do sucesso das coisas que toco nunca pode ser considerado algo fruto de uma dedicação pessoal. O mérito é coletivo e construído à base de uma mentalidade também coletiva. É sensacional olhar a perspectiva de conspiração que juntou pessoas tão diferentes (e viva toda a diferença!) em torno do que vc descreveu tão bem. Embora eu não queria fazer desse relato uma rasgação de seda, impossível não falar que acolho seus elogios da mesma maneira com que abraço firme a sua graça, a sua disposição, a sua amizade despretensiosa, comprometida e incansável. Obrigado sempre… beijos

  2. Sinha disse:

    ” despirocada das ideias” vai pra minha colecao de definicoes que ja fizeram a meu respeito ha ha ha, gostei. Ler o blog do Jairo nao me trouxe apenas conhecimentos sobre os preconceitos e obstaculos de toda ordem e tipo que as pessoas com deficiencias enfrentam cotidianamente no Brasil. Trouxe me tambem a amizade e o carinho de muitas pessoas maravilhosas. Ainda nao li o Malacabado, mas sinto o maior orgulho de participar desse grupo incrivel que Jairo conseguiu reunir com os textos dele e esse sonho que ele tem de que no futuro, um dia, todas as pessoas, com ou sem deficiencias, possam viver num Brasil mais justo e respeitoso.

  3. Cristiano disse:

    O Malacabado além de superar se transforma em alavanca!!!!
    Foda!!!
    Que show de sensibilidade deve ser essa turma heim!!!!

  4. Cristiano disse:

    Me emocionei com o vídeo!!! Belíssimas pessoas!!!

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