EU, ADÚLTERO

Talvez pelo fato de minha mãe nunca ter feito o estilo carolão e meu pai gostar mesmo é de uma gelada, eu não sou nada afeito aos bolodórios de padres, pastores e afins. Claro, fui batizado, fiz a primeira comunhão e tudo aquilo que o senso comum da ‘maior nação católica do mundo’ exigia, mas desde o início achava bobo aquele senta-levanta-ajoelha, mentia mais que político nos confessionários e demorei para perceber que aquilo que o padre botava na boca dos outros não era sonrisal.

Y así la nave se fué: cresci largadão no quesito religião e nem de longe considero que tomei algum prejuízo. Pelo contrário, na minha humilde opinião religião faz mal pra cacete. Umas mais, outras menos.

O irônico é que no primeiro casamento vivi cercado de espíritas e agora, há 17 anos sob nova direção, adotei uma família católica praticante. Vez por outra deixo escapar uma opinião meio off-topic, mas no geral consigo respeitar a crença da galera, até porque gosto muito de todos e jamais cometeria uma agressão de forma consciente.

O assunto religião me persegue: recentemente o papa Francisco (sou fã do carinha) abordou uma questão que minha ignorância eclesiástica não me permitiu sequer desconfiar, que é a posição da Igreja acerca dos divorciados. Eu sou um deles.

Segundo o evangelho de Mateus, o casamento é como diamante ou mercúrio em corpo de garimpeiro: para sempre. Então, a Santa Sé defende que quem se separa e contrai novas núpcias está em situação de pecado grave de adultério, o que impede de comungar, fazer penitências, batizar um bacuri e coisas do gênero. Particularmente eu até acho um pouco de graça, mas um detalhe me incomoda: a Igreja entende que quem se casa com uma pessoa (argh!) divorciada também comete pecado de adultério. Eliana entrou de gaiata nessa.

Isso tudo por causa de uma passagem bíblica: “Que o homem não separe o que Deus uniu” (Mt 19, 6). 

Resolvi partir para pesquisas sobre o assunto, até porque estão falando de mim pelas costas. São Google me deu uma mãozinha e encontrei três sites que falam basicamente a mesma coisa, dois mantidos por entidades eclesiásticas e o outro por um padre. Confesso que fiquei um tanto atônito com o conteúdo dos textos e, principalmente, pelas manifestações bem idade média por parte dos chamados fiéis. Extraí alguns trechos:

“Se a Eucaristia exprime a irreversibilidade do amor de Deus em Cristo pela sua Igreja, compreende-se por que motivo a mesma implique, relativamente ao sacramento do Matrimônio, aquela indissolubilidade a que todo o amor verdadeiro não pode deixar de anelar, explica Bento XVI (Sacramentum caritatis, 29).”

“A Igreja não pode dizer algo diferente do que seu Mestre disse: “Todo aquele que despede a sua mulher e se casa com outra, comete adultério. E quem se casa com a que foi despedida também comete adultério””

““Que o homem não separe o que Deus uniu” (Mt 19, 6). Contrair uma nova união conjugal (segundo casamento civil ou simples concubinato) quando a pessoa se divorciou significa negar a indissolubilidade sagrada do matrimônio e supõe estar em pecado grave, o que impede de comungar.”

“A razão pela qual os casais ditos ‘em segunda união’ não podem comungar é simplesmente porque vivem em situação de pecado mortal – geralmente público, continuado e impenitente.”

A cereja:

“A reconciliação sacramental não é possível enquanto o primeiro cônjuge não falecer (fato este que acaba com a vida em comum). Inclusive no caso de que que o novo casal receba a graça de continuar até a decisão de separar-se, ou pelo menos se a separação não for indicada (por exemplo, pelo bem dos filhos), é possível viver uma amizade espiritual, renunciando à intimidade própria dos esposos.”

Pensei até em pedir ajuda aos universitários sobre o significado de renunciar à intimidade própria dos esposos, mas acabei deduzindo que se trata de adotar na cama a posição bunda com bunda. Destaque para o absurdo da sugestão de separação para sanar nossa ‘situação de pecado mortal’. Fora de cogitação.

Pude observar nas entrelinhas dos textos e comentários que a atuação do Papa Francisco não é muito bem-vista pela ala conservadora, que se limita a engoli-la disfarçando a careta. Lógico, as cabeças cobertas por halos jamais falarão do papa o que o Collor falou do Janot, mas a impressão é que tá duro de deglutir suas ideias que quebram paradigmas milenares. A última do Chicão, em entrevista ao periódico argentino La Nación:

“No caso dos divorciados que voltaram a casar, perguntamo-nos: O que fazemos com eles? Quais são as portas que podemos abrir-lhes? E essa foi uma inquietação pastoral: Então vão receber a comunhão? Dar-lhes a comunhão não é a solução. Somente isso não é a solução, a solução é a integração. Não estão excomungados, é verdade. Mas não podem ser padrinhos de batismo, não podem ler a leitura na Missa, não podem dar a comunhão, não podem ensinar catequese, há cerca de sete coisas que eles não podem fazer. É como se tivessem sido excomungados! Precisamos abrir um pouco mais as porta”.

“Por que não podem ser padrinhos? ‘Não, olha, que testemunho vão dar ao afilhado’. Testemunho de um homem e uma mulher que lhe digam: ‘Olhem, querido, eu errei, eu patinei neste ponto, mas acredito que o Senhor me ama, quero seguir o Senhor, o pecado não me venceu , mas eu sigo adiante’. Mais testemunho cristão que esse?”

“Quando vem um destes políticos corruptos que temos para ser padrinho e está bem casado pela Igreja, você o aceita? E que testemunho vai dar ao afilhado? Testemunho de corrupção? Ou seja, temos que voltar a mudar um pouco as coisas…”

Às vezes desconfio que Torquemada tem, ainda hoje, um monte de viúvas saudosas.

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