ESTRELINHA

Num passado relativamente recente e absolutamente saudoso eu me pus a dedicar alguns poucos dias por ano para encontrar em São Paulo meus bons amigos deficientes, num shopping próximo à Paulista. É sempre delicioso conviver e conversar com aquela galera. Tem de tudo: cadeirantes, muletantes, tropicantes, paralisados cerebrais, autistas, deficientes visuais com ou sem cão-guia, deficientes auditivos com ou sem implante coclear, enfim! Todos com coração intacto e uma alegria que não raro me deixava assim meio invejoso.

Numa dessas idas conheci a Emily. Cadeirantinha linda, pouco mais que um bebê. Nossos encontros no shopping sempre se caracterizaram pelo cuidado de todos para com todos, então não tínhamos nenhum constrangimento em falar abertamente sobre a condição vivida e respectivos motivos. Nunca soube, porém, sobre Emily. Não devo ter perguntado.

Seus pais, Cleide e Alex, sempre foram presentes nas redes sociais, o que me permitiu acompanhar daqui de longe o crescimento da mocinha e até o nascimento do maninho Henrique.

Semana passada recebi um pedido de doação de sangue para Emily, que estava internada. Nem foi a distância o motivo da minha sensação de impotência, mas o fato de que meu sangue já passou por tantas infecções que não posso ser doador. Mas segui torcendo por ela.

Mesmo do alto de meu visceral otimismo, fui acometido de uma angústia estranha. Por um motivo qualquer, me veio à mente uma fantasia à obra Canon in D, de Pachelbel. Aquilo me reverberou por horas na cabeça, e de certa forma também me acalmou.

Há cerca de uma hora recebo a triste notícia da partida de minha lindinha, e novamente sem convite Pachelbel veio em meu socorro, como se adiantasse alguma coisa. Lembrei de Cleide e Alex, também sobrevivi à minha filha mais nova e sei que não há nada para dizer neste momento. Mas podemos vibrar juntos.

Todo meu respeito a vocês, meus queridos. Fiquem bem!

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2 respostas para ESTRELINHA

  1. disse:

    Cada um com sua tara

  2. Rogério Veloso disse:

    Errado, Zé, eu não jogo no time dos devotées. Seu comentário é maldoso e injusto. Minha relação com meus amigos deficientes transcende sua malícia boba, eu apenas me engajei na luta daquelas pessoas por respeito, que pode ser traduzido em acessibilidade e inclusão, pra ficar só nesses exemplos. Mas creio que não adianta explicar, você não vai entender. De mal com a vida, Zé? Algum amiguinho seu teria sido encanado nos últimos dias? Tá com medo, Zé?

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