HEIN?

Reza a lenda que o Brasil não é para amadores. A vida cotidiana, porém, mostra que a coisa não é bem assim: na verdade o Brasil é tocado e comandado por amadores.

Esta semana a Polícia Militar do Rio de Janeiro anunciou a criação de uma frota destinada a operações de inteligência. São veículos totalmente descaracterizados, provavelmente de placa fria, que transportarão os policiais em missões especiais. Até aí, tudo bem.

Só que alguém no governo do Rio resolveu dar publicidade à iniciativa, chegando a mostrar imagens dos veículos já adquiridos. Ocorre que veículos daquela marca, modelo e cor já circulam à larga na cidade, o que poderá criar situações de risco para os cidadãos comuns e também os motoristas de aplicativos, posto que não se descarta a possibilidade de haver ataques do crime organizado por engano contra esses veículos.

Vai dar merda…

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

UM GRILO MENOS NISSO

Na academia tudo correu conforme aqueles padrões de normalidade que dão sono. Seis quilômetros de esteira, um supino aqui, halteres e abdominais ali, resolvi dar os trabalhos por encerrados quando a vontade de morrer começou a preocupar.

Ao chegar em casa o sol, já tomado de timidez, ameaçava se esconder atrás do prédio em frente. A intenção mesmo era encarar o chuveiro, mas aquele cri-cri dos diabos passou a me incomodar. Vasculhei toda a cozinha e nada de achar a origem daquele barulho. Chutei as latas de lixo, abri e fechei armários, e aquele sonzinho intermitente me atazanando. 

Resolvi explorar o resto da casa, já meio desanimado, quando percebi que estava provavelmente lidando com um grilo ventríloquo. Pelo barulho estava na sala mas, ao mesmo tempo, chamava minha atenção para o quarto do meu filho. O suor voltou a escorrer testa abaixo, parecia que halteres e grilos possuem um poder equivalente sobre a minha frágil fisiologia. Num eito (adoro mineirês), descubro o elemento entre as plantas da sacada. Profundo conhecedor que sou dos achetas domesticus, deduzi que se tratava de um adulto, pois possuía asas.

O bicho resolveu me desafiar e deu um duplo mortal carpado para o chão. Lá ficou, imóvel. Foi quando tive a ideia de buscar um saquinho plástico de supermercado (sim, aqui é casa de pobre e reutilizamos embalagens até de requeijão. Aliás, principalmente de requeijão) para tentar capturar a criatura, devolvê-la à natureza via arremesso da sacada (“do 4º andar não tem problema pra ele”) e, finalmente, a tão sonhada ducha!

Minha porção majoritariamente otimista imaginou que seria a mais tranquila das tarefas. Mas como pulava, o infeliz! Num momento de – imagino eu – cansaço, consegui cercá-lo e de repente estava embrulhado pra presente. Deu mais trabalho porque minha maior preocupação era não ferí-lo, eu acredito no direito à vida e isso inclui até o Malafaia. Por que não o grilo?

Acho até que me bateu uma demenciazinha além do habitual, pois de repente me vi dando conselhos para um grilo, falando com ele no diminutivo: “não se debate não, fio, assim vai ferir sua perninha”. E o bicho lá, pulando alucinado como se não houvesse amanhã. Talvez já soubesse que não haveria.

Em um derradeiro momento de cansaço aquietou-se e eu, com um cuidado danado, fui introduzindo a abertura do saco plástico para um dos vãos da rede de proteção, até que, finalmente, o bichinho se lembrou de que tinha asas e saiu voando. Só que escolheu um vôo ascendente, em direção ao telhado do predinho ao lado.

Foi quando um pardal, que até então não tinha entrado na história, resolveu literalmente meter o bico na conversa.

Alguns poucos segundos antes eu estava todo pimpão, me achando um herói do meio-ambiente.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

PRIMER MUNDO

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

GENTE

A partir daquele movimento coordenado a que chamo “Fora Dilma”, chamou-me a atenção o que me pareceu um comportamento ao mesmo tempo inédito e esperado das pessoas, em que a tônica era um discurso mezzo moralista mezzo sem sentido/sem provas. Houve até um mini Fora Dilma no meu prédio, quando os moradores insatisfeitos criaram um grupo de WhatsApp dedicado a descer o cacete na síndica. Claro que ela não foi convidada a participar do grupo, e por algum motivo não achei estranho. As mensagens do grupo se concentravam em ‘denúncias’, suposições e comentários maliciosos sobre as contas do condomínio, mas nunca havia uma providência efetiva, nunca houve quem tivesse a pachorra de mostrar a cara e afirmar peremptoriamente o que quer que fosse. Apresentar provas, então, nem pensar.

A tônica era um falar bobagem e o resto concordar, enriquecendo o assunto da hora com interjeições e crimes ortográficos. Não sei se por coincidência, os mais inflamados eram exatamente as ausências sentidas nas assembleias do condomínio. “Não tive tempo, estava em aula, meu filho estava com febre”.

A partir de então, meu macrocosmo tornou-se meu tirano de estimação. Ao observar a postura de meus vizinhos, sempre com algum tempero opressor e orgulhoso, achei por bem não rebater as bobagens que falavam, fazer cara de paisagem ante comentários constrangedores e observar que a grande maioria não era muito chegada a cumprimentar o porteiro.

Assim era e permanece. De minha parte continuo cultivando a rejeição ao ódio gratuito e visceral, ao funk, sertanojo e gospel. 

Não tenho certeza se é pena que sinto dessa gente diplomada e inculta, mas é algo parecido.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

E SE DOESSE MENOS?

Foi então que, alta madrugada, me vi vagando a esmo pelas ruas. Meio que sem motivação, mas também sem medo algum. Aliás, também não tinha um itinerário, um objetivo, o que me compelia eu ainda não tinha descoberto o nome. Caminhava. E só.

Ao derredor os cenários pareciam não fugir ao lugar-comum, mas havia algo ali que me inspirava a continuar. Uma expectativa, uma saudade a combater, um vazio a ser explicado, uma mágoa, um remorso…

Uma das poucas certezas naquele início de caminhada era de que eu precisava estar ali. Querer, acho que não queria, mas precisava. Desconfiava, também, que não haveria um ponto de chegada, mas estava convicto de que encontraria alguém.

E não demorou o encontro, e não foi sem emoção que a abracei. Sabia que era ela, apesar do sorriso nada usual, mais alta, outro rosto, um cabelo diferente, mas a essência não deixava dúvida: era ela, minha mãe!

Ao nos posicionarmos lado a lado a caminhada pareceu ter adquirido ritmo mais lento, a conversa fluiu como nunca, eu era um poço de perguntas e ela apenas sorria a boa parte delas. Falou de sua ausência e de como ela mesma lidou com isso, eu tentei lhe contar como venho me sentindo ultimamente, mas um olhar foi suficiente para me mostrar que tudo já era sabido. Não foi um olhar angelical, mas de cobrança, como a dizer algo como ‘eu avisei tantas vezes!’

A postura de minha mãe mantinha certa coerência, já que nunca foi dada a grandes demonstrações explícitas – ou físicas – de afeto, mas por ser aquele encontro algo tão excepcional foi realmente sofrida a decepção que me corroía. Eu queria lhe pedir perdão, dizer que me enganei, que poderia ter prestado mais atenção, que deveria ter ouvido suas queixas com mais respeito.

O toque de sua mão sobre a minha foi a senha para que eu entendesse que, se as causas dessa angústia estavam todas em mim, não há por que imaginar que a solução também não esteja. De repente ela se fez mais baixa até a estatura que tinha em vida, me olhou, tocou meu peito, disse algo sobre buscar ajuda, sorriu e começou a se afastar. Não disse nada, mas se despedia.

Minha mãe parecia, finalmente, feliz e em paz.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

AMADORES

AVISO RECEBIDO POR SMS:

RESPOSTA ENVIADA AOS MELIANTES:

 

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

ILIBADOS

Leio agora que a federação polonesa de futebol resolveu, atendendo a pressões diversas, não convocar o jogador Maciej Rybus para compor o grupo que deverá participar da copa do Qatar. 

O motivo é singelo, e nada tem a ver com problemas técnicos ou físicos: o cara jogava num time russo e se recusou a sair de lá. Não, ele não se manifestou favoravelmente à guerra da Ucrânia nem à Rússia, muito menos aos atos praticados por Putin, não criticou os massacres e bombardeios russos contra edificações e a população ucraniana, tampouco falou sobre a intenção da OTAN de instalar mísseis na fronteira com a Rússia e, claro, voltada para Moscou, nem sobre a maldisfarçada participação de nazistas de chapa e cruz pelo exército ucraniano. Em suma, em momento algum ele se manifestou politicamente, apenas sustentou que é casado com russa, tem filhos russos e estão todos muito bem adaptados em Moscou, então não via razão para misturar esporte com política e prejudicar sua família e carreira.

Mesmo assim foi considerado inadequado para servir sua seleção e descartado. Considerando que esse entendimento é comum à maioria das federações nacionais, senão todas, é justo imaginar que tem o dedo da FIFA nesse angu.

Não é de hoje, porém, que o rico Qatar é palco de denúncias de crimes contra os direitos humanos, nem todos causados pelo sempre lamentável fanatismo religioso. Faz parte do rol a misoginia, a exploração de trabalho escravo, assassinatos e mortes suspeitas, numerosas e não esclarecidas (porque não investigadas). Mas a boa e velha FIFA fez vista grossa até onde foi possível, inclusive sobre um código ridículo chamado Kafala, que permitia aos patrões reter passaportes de trabalhadores imigrantes, impedir sua saída do país e mesmo solicitar às autoridades a prisão de quem reclamasse. Recentemente uma mexicana foi condenada à prisão por ter denunciado seu estuprador. Ok, no Qatar rola uma grana preta, então tá tudo bacana.

Mas o atleta polonês está fora da copa porque não se posicionou politicamente e priorizou sua família.

Dia desses a FIA, entidade que comanda o automobilismo no planeta, estabeleceu diretrizes que culminaram com a demissão do piloto russo Nikita Mazepin, pelo fato de ser russo e seu país ser comandado por Putin. Surgiu a história de que haveria um documento-declaração que deveria ter sido assinado, em que o piloto se posicionaria contrário à invasão russa, porém ele declarou que se dispôs a assiná-lo mas, de repente, já estava demitido. Essa mesma FIA já foi mais, digamos, tolerante: alguém aí se lembra da África do Sul e seu apartheid? Pieter Botha, Nelson Mandela, lembram deles? Pois é. A galera da FIA nunca viu nada demais quando os brancos sul-africanos brincavam de tiro esportivo utilizando seus compatriotas pretos como alvo, prática decorrente da política de segregação política e social baseada numa suposta supremacia racial branca, que vigorou entre 1948 e 1994 (a título de informação ilustrativa, criada por Daniel François Malan, pastor protestante, um fofo), e jamais tomou uma atitude para de alguma maneira punir os bandidões sul-africanos, o que permitiu que os GPs no país ocorressem sem maiores percalços no autódromo de Kyalami. Jody Scheckter, então piloto do país, jamais foi sequer citado.

Enquanto isso, a Arábia Saudita há oito anos bombardeia o Iêmen, em conflito que já produziu quase 400 mil mortos. Os árabes estão na copa do Qatar, quase no mesmo grupo do time dos EUA, que atualmente jogam umas bombinhas sobre cabeças somalis.

Que bom que temos esses povos e entidades garantindo a normalidade no mundo.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

RANZINZOLINO

O momento até que estava razoavelmente propício para soltar a franga, sair por aí feito um arremedo feio de Poliana Moça, esbanjando uma alegria boba, cometendo frases de autoajuda e outras indecências, mas não: minha insistência em permanecer chato feito funk gospel parecia inquebrantável, a ponto de agradecer e recusar convites pra tomar uma, jogar sinuca, descer o cacete no governo.

Sim, finalmente viajei pra Minas e conheci meu primeiro neto. Pegar meu pequeno Benício no colo já seria, por si só, motivo para um sorrisão desbragado e demorado, quiçá eterno. Mas pensa: passei tantos anos esperando pela oportunidade de botar a cara na janela e falar para o mundo que tenho um neto, e o carinha, em vias de completar três meses de vida, vai morar em Portugal. Serei um avô de fim de ano, sazonal, ausente, sem importância. Senti-me particularmente agredido ao notar que meu inconsciente, na intenção de me proteger, tentava evitar que eu me apaixonasse pelo meu netinho. Nessa empreitada meu inconsciente fracassou legal, mas a tentativa deixou sequelas.

Some-se a isso uma decepção familiar amargamente dolorida que prefiro não detalhar, mas que me feriu de uma maneira jamais imaginada, principalmente porque redundou num sentimento mais que sofrido de remorso ou culpa. Sim, Poliana Moça vai ter que esperar um bocadinho.

No auge do misto de ressentimento e emputecimento dona Patroa me sugeriu procurar ajuda profissional. Psicólogo, analista, algo do gênero. A princípio recuso, até porque tenho conhecimento pleno do que me jogou aqui embaixo, e não creio que palavras colocadas com  técnicas e método vão surtir algum efeito. Não é o caso de procurar o que me afeta e derruba, isso eu já identifiquei faz tempo.

De repente me vejo entendendo o que se passava com Aldir Blanc quando escreveu Resposta ao Tempo.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

OLHA O GÁS!

Finalmente, ao cabo de dois longos meses, consegui achar um tempinho para ir a Minas conhecer Benício, meu primeiro neto. Menino bonito, dirão alguns que é a cara do vô, mas a modéstia não me permitirá concordar sem um muxoxo falso e desavergonhado. Mas o moleque é bonito pra cacete.

Minha filha, ao fim de sua provável procura por Shangri-Lá, aportou no Rio de Janeiro, onde conheceu meu genro Vinícius para depois, já como família, fincarem bandeira na já nem tão pequena mas ainda bela Patos de Minas. Terra de sua mãe e respectiva família, a visita me permitiu rever meus cunhados-irmãos, minha sogra nº 1 e a sobrinhada. Daquela família toda, eu só me separei da mãe da minha filha, o resto é minha família. Pra sempre. Amo.

Claro que rolou o tradicional churrasco no sábado à noite, na casa de um cunhado. Amanheceu domingo e me carregaram para o mercado municipal para comprar carne e sei lá mais o que. A ideia era fazer um legítimo arroz de carreteiro no almoço na casa da sogra e juntar toda a gang. Acompanhada – tradição é coisa séria – da cervejada e daquela conversa mole, que nos fez cúmplices eternos e que só nos permite a divergência quando o assunto é futebol. Ainda assim, sem muito radicalismo.

A viagem nem estava exatamente nos planos, mas já havia decorrido tanto tempo que não dava para adiar mais, até porque daqui a cerca de um mês o trio filha-genro-neto vai se mudar para um pouco mais longe, lá na terra de Camões. Então, foi um mísero fim-de-semana para percorrer 1.000 quilômetros, matar a saudade de um monte de gente, conhecer gente nova, babar no neto e planejar uma visita menos corrida em alguns meses do outro lado do oceano.

Atendendo a uma sugestão dos cunhados, resolvi retornar por Uberlândia, aproveitando as inúmeras vantagens da pista dupla que a partir dali perduraria até Goiânia. Só me esqueci de combinar com o gps, que me mandou para Itumbiara via Tupaciguara, o que no começo me levou a estranhar a demora para chegar no posto do Trevão e a depois me lembrar do governador de Minas toda vez que caía numa das crateras da estrada.

Num desses pontos de grande emoção resolvo ultrapassar uma caminhonete velha num retão de quase um quilômetro. Foi no final desse retão que um cidadão de uniforme me mandou parar. Disse que eu havia sido flagrado realizando uma manobra perigosa e proibida no local. Concordei que qualquer manobra naquela rodovia era uma tentativa de suicídio em potencial, mas ele parecia não ter atualizado o modo senso de humor. Na verdade a razão do procedimento era o fato de que eu teria realizado uma ultrapassagem sobre faixa contínua. 

Na boa, mesmo numa rodovia que não estivesse respirando por aparelhos como aquela não haveria motivo minimamente inteligente para proibir ultrapassagens no local indicado, pois era totalmente plano, não havia faixa adicional em nenhum dos sentidos nem lombadas que pudessem criar pontos cegos. Tentei fazer a autoridade policial entender isso, mas o cidadão insistiu. Convidei-o, então, a uma visita ao local da ultrapassagem, ocasião em que seria possível observar que as faixas da pista não passavam de lembranças praticamente invisíveis de um passado longínquo. Aí ele me falou que havia uma placa indicando a proibição de ultrapassagem, foi quando mostrei que havia uma floresta cumprindo com maestria a tarefa de escondê-la. 

O homem não demonstrava muita disposição para o debate, seus dois colegas pareciam mera figuração. Quando ele cismou de levantar a voz falando em segurança própria e de terceiros, tive que mandar a real: “com esse asfaltozinho sem-vergonha e essa sinalização mequetrefe, o máximo que podemos concluir é que o governo que o senhor representa está cagando para a minha segurança e a de terceiros”. O assunto, então, passou a ser o famigerado desacato a autoridade. Perguntei aos até então calados colegas daquele que parecia ser o chefe se eles concordavam com a tese de que ao mostrar que a autoridade não tem razão eu estaria cometendo crime de desacato. Calados permaneceram.

Pelos mesmos motivos que de há muito deixei de discutir com os talibãs do Malafaia, achei por bem permitir que o bom-senso tomasse conta da situação e só pedi a minha via da multa, tomando o cuidado de humildemente solicitar ao agente que não se atrevesse a inventar multa por desacato ou coisa do gênero, porque isto me levaria a representar contra ele por abuso de autoridade, com os colegas cujos crachás fotografei arroláveis como testemunhas.

Acabei sendo liberado, com a informação de que receberia a notificação da infração pelo correio. Alguns dias após a chegada em casa leio a notícia sobre o cara que foi assassinado numa câmara de gás improvisada num camburão da polícia rodoviária. Parece que o delito dele foi tentar imitar o presidente boçal de um país desses aí, que gosta de trafegar de moto sem capacete. 

É pouco provável que leve a sério a decisão, mas naquele momento eu imaginei que seria bom doravante falar somente o necessário quando me encontrar numa situação de, digamos, inferioridade, como um palestino diante da galera do Mossad. Lembrei-me de Pedro Aleixo e daquela história do guarda da esquina, acho que corri algum risco.

Vai que, né?

Publicado em Sem categoria | 10 Comentários

É CILADA, BINO!

Uma das minhas boas fontes de diversão atualmente são as redes sociais. Minha preferida é o Facebook, que me permite apreciar sem moderação as peripécias de birutas e patetas os mais diversos e as publicações de suas incursões pelas ruas das cidades, geralmente a bordo de seu uniforme em tom amarelo-fralda modelo 7×1 e portando cartazes pedindo a volta do AI-5. Pena que o último primeiro de maio tenha sido assim tão estranhamente tímido, os micos dessa gente já deu mais ibope num passado bem recente e saudoso.

Claro que o Facebook não se esgota nessas esquisitices, tem até coisa útil lá dentro. Eu participo de um grupo ecológico, outro que se ocupa de dicas de códigos de programação, um de assuntos sobre o fundo de pensão que bravamente me paga a aposentadoria, tem também aquele outro de troca de partituras. No meio disso tudo também tem as publicações dos amigos, alguns interessantes outros nem tanto, outros nem tão amigos, alguns nem sei direito quem são, y así la nave va.

Dia desses deparei com uma oferta que joga no time das imperdíveis. Sim, o Facebook também tem as publicações pagas, bancadas geralmente por grandes corporações do varejo que cismaram de enfiar o pé no chamado e-commerce.

O anúncio oferecia um aparelho celular de última geração por preços entre R$699,00 e R$799,00. A tentação de clicar no botão COMPRAR AGORA foi mastodôntica, mas a quenga idosa que habita em mim sugeriu cautela. Então, achei por bem observar os detalhes, e acabei concordando com Teco (Tico estava dormindo) que era bem esquisito o fato de as Lojas Americanas possuírem uma conta do gmail para seu correio eletrônico, além de seu endereço lógico misteriosamente não mostrar o já tradicional “americanas.com.br”, mas algo com um monte de consoantes e um final que não me lembro se .ru ou .ro, denotando base em servidores no exterior. No caso, Rússia ou Romênia.

Mas os anúncios eram bem bonitinhos:

Repararam que para essas ofertas só se aceitavam pagamentos via pix ou boleto? Uma vez aberto o ‘site da americanas’, qualquer que fosse o CEP digitado a resposta era “entrega grátis em 04 dias”. Já o campo de pesquisa (digitei sofá, bicicleta, ogiva nuclear, camisinha sabor miojo) no alto da página não respondia, vez que o layout era apenas uma cópia gráfica do original, sem função operacional além do botão de compra e o campo para CEP com resposta padrão.

Em resumo: tentativa de golpe. O mesmo Facebook que se mostra tão cioso, moralista e defensor da família, da moral e dos bons costumes quando mostramos bunda de indio na aldeia ou um beijo fora dos ‘padrões’ permite a ação de bandidos assim, na boa. Ah, Markinho, francamente!

Resolvi alertar por e-mail a Americanas.com, via Ouvidoria, sobre o uso de sua marca para evidentes práticas criminosas, ocasião em que anexei as cópias da página falsa que capturei. Alguns dias depois recebi um retorno das Lojas Americanas, me informando que aquele anúncio não era deles e me dando algumas ‘dicas’ sobre formas seguras de navegação na rede.

Dããããã. 

Resolvi insistir no assunto, esclarecendo que o fato de que o anúncio não era efetivamente deles constituía o motivo do meu contato inicial. O que eu esperava era que uma empresa minimamente decente e comprometida com seu bom nome e a segurança de sua vasta clientela tomasse alguma atitude. Não tomou, limitando-se a me enviar uma resposta que pulula entre a gozação e a malemolência. E a irresponsabilidade, claro.

Então, ficamos assim, Lojas Americanas: assim que der merda – e vai dar merda – eu me oferecerei como testemunha de acusação, aproveitarei o momento para anexar as provas de que vocês foram devida e tempestivamente alertados sobre o andamento do crime pelo qual responderão solidariamente (ao menos na esfera civil), e que geraram prejuízos a um caminhão de gente de boa fé, que acreditou naquela ‘promoção’ que vocês contaram que era falsa somente pra mim.

A propósito, hoje observei outro anúncio da espécie. Parece que estão diversificando o portfólio.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

ZEFINÍ, MAS CONTINUA

O ano de 2011 foi bem esquisitão, em se considerando a quantidade de fatos inéditos. Primeiro meu processo involuntário de emagrecimento que ia a todo vapor após o tratamento contra a hepatite C, que me encolheu dos antigos e bem-amados 72 kg para exatos 60 (dois ou três anos depois os 60 kg viraram 91 por obra e graça da gloriosa tireoide, mas isso é outra história). Além da sensação de fraqueza decorrente da perda de massa muscular, ainda tive que reformular o guarda-roupa, pulando do manequim 40 para o 36, se não me engano. Meu layout estava assim mezzo Marco Maciel mezzo mapa do Chile, um mimo, silhueta era força de expressão. 

Em seguida a novidade realmente porreta: a viagem a Paris, longamente planejada e finalmente realizada. Juntando os familiares de sempre com alguns amigos, éramos 16 aloprados doidinhos pra conhecer o Louvre.

Eu manjava de francês tanto quanto minha mãe mandava bem em física quântica. Aliás, ninguém da turma ia além do sivuplé, randevu e mercibocu. No começo foi aquela coisa chata de chegar impondo o inglês pra rapaziada, que não sem razão mostrava profundo incômodo. Franceses e ingleses não se bicam, no máximo se toleram, e isto tem origem em algumas guerras e outras tantas invasões ao longo da História. Descobri com o passar dos dias que esse mal-estar era facilmente evitável, bastando iniciar a conversa com algo shakespeareano mais simpático, tipo “desculpe, não falo francês; podemos conversar em inglês?”. 

O encantamento e o desejo de poder voltar outras vezes fizeram florescer a vontade de aprender a língua, então providenciei minha matrícula na Aliança Francesa assim que cheguei de volta à Terra Brasilis.

Sim, o francês é uma língua latina como nosso português, mas isso não significa que seja moleza. Pelo contrário, há fonemas e regras sintáticas que chegam a arder a pleura se resolvermos cumprir como se deve, mas é, por outro lado, algo altivo, musical, apaixonante. 

Ao cabo de 11 ou 12 semestres de estudos, leituras, provas, mudanças de nível, novos colegas, novos professores, festas, projetos, progresso, cheguei ao final do curso regular. Em seguida eu me submeti ao DELF, que vem a ser a sigla para “Diplôme d’Études en Langue Française”, um diferencial para quem se candidata a um emprego ou estudos em qualquer nível em países francófonos. Passei, meio que batendo na trave, mas passei. Esse diploma era algo que só alcançaria minha própria vaidade, porque nem patrão eu tinha mais para reivindicar uma promoção. 

Os últimos três anos foram os mais marcantes e divertidos, porque mantivemos a turma e a professora e, com isso, ultrapassamos as barreiras de corpo docente/discente e nos tornamos simplesmente bons amigos. Estou lhes devendo um churrasco aqui em casa, a despedida foi meio dolorida.

Em que outro lugar um dia de prova viraria motivo para festa? A carga horária era de três horas, então quando havia avaliação nos habituamos a concluir em no máximo duas e depois era a hora dos queijos, vinhos, patês, pães e o que mais fôssemos capazes de comprar na base do rachid. Se a vida toda eu nunca encarei os estudos como um fardo ou obrigação, na Aliança Francesa a coisa beira a covardia, tamanho o prazer e a diversão, o que imagino explicar o aprendizado parecer que flui mais natural e rapidamente.

O fim do curso deixou um certo gosto de luto, que tentei atenuar participando de turmas extras exclusivas para conversação. Da minha turma alguns se mudaram de cidade, de estado e até de país, a pandemia também fez seus estragos e encolheu a escola, muitos professores e funcionários partiram para outras aventuras e projetos profissionais. Ainda nos comunicamos esporadicamente via grupo de WhatsApp, mas espero mesmo que venha a ser possível um reencontro, senão com todos, pelo menos com os possíveis.

De repente a saudade bateu. Matá-la será bom para a alma.

Publicado em Assuntos Gerais | Deixe um comentário

SOCIAL

No já longínquo abril de 1981 abdiquei de minha condição de morador de Brasília e aportei em Goiânia para assumir cargo conquistado por concurso público no Banco Nacional da Habitação-BNH, que seria absorvido pela Caixa Econômica Federal seis anos mais tarde.

Éramos uma turma de no máximo 30 pessoas, a maioria esmagadora com idades entre 20 e 23 anos, a serem chefiados por ‘senhores’ na casa dos 30. Os sonhos eram muitos, a disposição para a farra também se destacava, mas o que mais queríamos era trabalhar naquela empresa que nos oferecia um bom salário e condições plenas de trabalho. Na prática o BNH ainda não existia na capital goiana, sua inauguração estava agendada para algo em torno de 30 dias, no mais tardar dois meses.

Os primeiros dias foram dedicados à acomodação da galera que não parava de chegar. Com base nas respostas que demos ao questionário distribuído, versando sobre questões como “gosta de cálculos?”, “tem afinidade com legislação e análise de processos?”, “gosta de atender ao público?” a lotação foi se materializando. Minhas respostas me encaminharam diretamente para a área do FGTS, que envolve cálculos, legislação, processos e atendimento ao público. Sempre gostei.

A partir dali eu e demais colegas de área passamos semanas inteiras nos dedicando ao estudo daquela matéria complexa e fascinante, e nossa insegurança fazia com que comemorássemos sempre que chegava a notícia de que a inauguração teria que ser adiada por problemas de agenda entre o então governador do Estado Ary Valadão e o Ministro do Interior Mário Andreazza. Na verdade eles se detestavam e ficaram nesse joguinho idiota de inventar compromisso para derrubar a agenda do outro, mas finalmente chegou o dia da inauguração. Já tínhamos seis meses de empresa.

Nossos estudos envolveram leitura e discussão dos normativos e legislação aplicada, debates entre nós mesmos e a chefia, simulações de atendimentos com a inserção de situações de conflito. Às sextas-feiras tínhamos as reuniões sempre festivas, durante as quais alguns conceitos nos foram colocados com caráter de cláusulas pétreas, como o atendimento exemplar, pautado na obrigatoriedade de atendermos ao público com cortesia e domínio da matéria. Nosso gerente não se cansava de nos lembrar que o BNH era uma empresa pública, que seria eterna enquanto fosse necessária aos olhos da população, o que de certa forma jogava uma responsabilidade enorme sobre nossos vinte e poucos anos. Mas curtíamos muito a expectativa de enfrentar os desafios. Ah, a juventude…

O início do trabalho nos deu a certeza de que os treinamentos e estudos foram suficientes e de qualidade. Como havíamos introjectado o atendimento nível porreta como objetivo, tínhamos sempre um motivo para um chope na sexta-feira. Assim os anos foram passando, os colegas foram assumindo funções de chefia, eu fui designado para a inspetoria, até o belo 22 de novembro de 1987 amanhecer e nos surpreender a todos com a notícia de que o BNH não mais existiria e teria suas funções absorvidas pela Caixa Econômica Federal. Decreto-Lei, of course, ainda vivíamos os últimos cacoetes da ditadura.

Nossa integração à nova empresa não se deu de forma assim tão pacífica, mas acabou ocorrendo. Durante bom tempo fomos tratados como uma empresa à parte, uma espécie de segunda divisão,  mas conseguimos manter nosso trabalho em bom nível de qualidade, em que pese notarmos que não havia valorização ao que fazíamos. Resolvemos encarar aquilo como um problema ‘deles’, até porque nossa avaliação comparativa reversa colocava a qualidade gerencial ali como algo que oscilava entre o amador e o sofrível.

Conforme os governos iam se sucedendo os investimentos em tecnologia e aprimoramento rareavam, principalmente se o mandatário de plantão fosse chegado numa privatização. Por uma estranha coincidência, a qualidade dos serviços prestados pela Caixa à população desabava se houvesse algum projeto ou intenção de privatizar a empresa. A velha história de torná-la descartável aos olhos do povo, afinal se o cabra procura uma agência e não tem sua demanda atendida, seja por deficiência técnica ou falta de empregados, como esperar que a população defenda a empresa?

Em pleno século XXI esse fenômeno, por ser cíclico, volta a rondar a Caixa. Não por acaso as décadas nos impuseram, com raríssimas exceções, animais os mais diversos na presidência da Caixa Econômica Federal, variando entre ostras, antas, pavões ou reles cacatuas, mas esse de hoje me parece bater todos os recordes, a começar pela cara de orgulhoso suricato com hérnia de disco que ostenta quando o presidente da república fala merda numa solenidade. E o presidente da república, como sabem, fala merda com alguma regularidade. Algo me diz que se o presidente da república tomar um chute no saco, cai a obturação da figura em questão e o sanfoneiro ao lado sai mancando.

Vez por outra a vida me convida a repensar minha arrogante ausência de devoção cristã. O fato de já ser um aposentado da Caixa, não mais estar sob as ordens do presidente de plantão e, por consequência, não ter que aturar o que rola de estupidez de seu gabinete é uma dessas ocasiões. Rezam a escrituras sagradas que eu deveria dar graças aos céus. Mas no fundo aquelas estultices sempre me afetam o espírito de alguma maneira, principalmente porque as atitudes dessa gente atentam contra tudo aquilo que com orgulho ajudei a construir. 

Nos dias de hoje uma unidade da Caixa que iniciou o ano com um número x de funcionários conclui o ciclo com uma diminuição do contingente entre 5 e 10%, o que é natural considerando que as pessoas morrem, se aposentam, cometem falhas que justificam uma demissão, pedem para sair.  Quando, porém, a empresa se recusa a repor o quadro porque antes se recusou a promover um concurso público ou, pior, se recusa a convocar aprovados do último concurso, a coisa muda de figura e passa a constituir má intenção.

Porque se o trabalho que era executado por 30 pessoas de repente precisa ser realizado por 28, depois por 25, depois por 20, é claro que cairá a qualidade, aumentará o tempo de execução e atendimento, haverá atrasos, as filas serão uma consequência natural, as reclamações também. Some-se a isto a teimosia da empresa em contratar sistemas computacionais de quinta e não atualizar servidores e demais itens de hardware, e temos uma receita perfeita de angu. E a reclamação nunca é dirigida à direção da empresa, o alvo preferencial é o badequinho de canela exposta na unidade onde o time desfalcado tenta sobreviver. A imprensa ajuda a identificar esse “culpado”, já que os jornais locais do meio dia mostram as agências, suas filas e mazelas, mas nenhum outro programa jornalístico, de âmbito regional ou nacional, cultiva o saudável hábito de perguntar à diretoria da empresa o porquê daquilo.

Minha geração economiária traz no currículo greves memoráveis, movimentos reivindicatórios não-grevistas igualmente vitoriosos, conseguimos reverter cagadas ilegais cometidas por Sarney e Collor de Melo, enfrentamos com sangue nos olhos as investidas de FHC, o príncipe da privataria, peitamos gerentes e superintendentes cretinos. Quando hoje em dia a vida e a pandemia nos permitem um reencontro, é sempre saboroso rememorar essas passagens e homenagear os parceiros que já não estão conosco e foram muito importantes nessa trajetória. Olhar para trás e ver um rastro de dignidade é para poucos. Sorry, pelegada.

Hoje vejo com imensa tristeza um ambiente perigosamente propício para a entrega da Caixa e suas operações sociais ao grande capital, sonho de consumo de muitas raposas com DNA privado e privatista que ao longo das décadas deram expediente nos ministérios ou foram por eles nomeadas. No campo funcional fomos substituídos por uma quase maioria que integra algo quiçá classificável como geração pré-X, que não almeja seguir carreira e está na empresa somente enquanto não encontra algo mais atraente de acordo com suas expectativas materiais ou de mera vaidade. Por consequência, está pouco se lixando para os programas sociais historicamente tocados pela instituição em nome do governo federal e, é claro, nem sonha em se indispor com o chefe por algo que mesmo de longe se aproxime do bom e velho idealismo. Esses meninos de agora esculacham os sindicatos e federações de empregados, ao mesmo tempo em que se esforçam para repetir os mantras e discursos dos patrões.

Lamento, mas é outra época, são outras pessoas, em que pese as necessidades da população serem basicamente as mesmas. Vejo o risco hoje maior, e sinto arrepios quando passo em frente a uma agência dos Correios.

Publicado em Acessibilidade e Cidadania | Com a tag , , | Deixe um comentário

QUEM?

Eu sou péssimo fisionomista. Já me abraçaram na rua, perguntaram sobre minhas filhas, meus planos de futuro pós-aposentadoria e eu no máximo sabia que conhecia a pessoa mas não me lembrava de onde, sequer o nome da criatura.

No mais das vezes isso me rende momentos de sufoco e constrangimentos, mas já ocorreu de também rolar frustração nesse caldo. Um bom exemplo disso teve lugar em Congonhas, há uns quatro anos. Minha ida a Sampa fazia parte de algo já tradicional, um encontro anual com amigos numa espécie de filial do paraíso denominada Mr. Jack’s, no Shopping Pátio Paulista, ocasião em que aproveitávamos para botar as fofocas em dia, a tristeza pra fora e o chope pra dentro. Como já havia um bom tempo que não via minha filha, que morava no Rio, convidei-a para participar da farra. Só que cheguei no aeroporto quase duas horas antes da previsão de chegada dela, então fui fazer um lanchinho básico enquanto esperava a aterrissagem de seu teco-teco. 

Dei sorte de encontrar uma mesa vaga, a última naquele momento. De repente, um cara se aproxima e me pergunta se eu permito dividir a mesa com ele. Claro, por que não? De imediato vi que aquele rosto não me era estranho mas, enfim, relevei. Na época eu viajava sempre em companhia de meu violino, o cara viu e puxou conversa sobre música. O instrumento induziu a falar sobre os Beethoven da vida, meu novo amigo demonstrou conhecer muito de música erudita, mas depois que contei a ele que adoro tocar o Sabão Cracrá ao violino o nível da conversa retornou à zona de conforto. Disse que seu nome era Marcelo, mas a vergonha me impediu de pedir sobrenome e qualquer outro detalhe que finalmente me levasse à identidade dele.

Pedi mais dois chopes, ele exigiu pagar os próximos. Gente boa. Já estávamos à beira do fim do ano e ele falou sobre a possibilidade do Nobel de literatura para Olga Tokarczuk, que eu solenemente ignorava mas a tal vaidade me impediu de reconhecer, e concordamos com a torcida para Ana Paula Maia para o prêmio literário do mesmo ano no nosso microcosmo. Quando li que ela tinha faturado o prêmio, lembrei-me de meu amigo até então anônimo.

De repente minha filha chegou e, já cansado e ligeiramente mamado, eu queria mesmo era ir para o hotel. Despedi-me de meu amigo e seguimos para o ponto de taxi do aeroporto. Nunca mais o vi, pelo menos pessoalmente.

O encontro com meus amigos de fé ocorreu conforme o esperado, com muita alegria, camaradagem e carinho. Retornamos para casa, minha filha e eu, no dia seguinte. 

Aí passa o tempo e recebo pelas redes sociais um link. O efeito foi devastador, primeiro porque me deixou maravilhado com a qualidade do clipe, depois porque reconheci meu amigo do aeroporto. Sim, fiquei frustrado. Ao acompanhar Marcelo Jeneci no clip percebi o quanto me foi negada (por mim mesmo) uma interação, um melhor direcionamento da discussão sobre cultura popular, sobre política, sobre tudo. Fiquei também um pouco aborrecido com ele, por não ter se identificado como o grande artista que é, mas considerei a possibilidade de ele preferir manter a humildade. O que é um direito, vá lá!

 

Publicado em Sem categoria | 7 Comentários

MONSIEUR LE DOCTEUR

Ao final de tantas viagens pelo interior do Estado, chegamos a um ponto em que a única alternativa era esperar. Torcer e esperar. Foram quatro ou cinco vestibulares que o moleque enfrentou, com esperança, fé e determinação, e eu notava que ele a cada dia sentia o baque, demonstrava cansaço, mas os olhos brilhavam. O corpo padecia, mas a alma nunca foi pequena.

O primeiro resultado foi algo próximo de uma batida na trave, no segundo ele perdeu de goleada e o terceiro se caracterizou por uma correção ridícula da redação e uma nota abaixo do que eu achei que merecia. O suficiente para ele também não passar. De repente fiquei com medo de que o desapontamento que lhe estampava o rosto se tornasse algo mais preocupante.

Mas o cara escolheu medicina, né?, um funil dos infernos, e eu fui evitando aquela clássica argumentação derrotista “todos que eu conheço tentaram durante anos até conseguir passar”. Até cheguei a usar essa ladainha, mas sei que com ele isso não funciona, e também não vejo esse tipo de indecência com bons olhos. Equivale ao tal “entregar pra Deus”, não rola.

Ainda faltava fazer as provas da UnB dali a cerca de um mês e estava mais ou menos na época de sair o resultado do vestibular de Goiatuba, então a poeira foi assentando aos poucos até não haver mais sinais de tensão. Os dias foram passando, eu estava no supermercado quando veio a ligação. Vi que era ele e imaginei que queria me lembrar de comprar os tradicionais porcaritos. Demorei para perceber que era uma ligação de vídeo, ele tentava me mostrar a tela do computador com o resultado do vestibular da Unicerrado. O momento era de festa e a ficha não caía, ficar velho às vezes é um fardo meio triste.

Unicerrado é uma universidade particular sediada na cidade de Goiatuba-GO, a 170 km de Goiânia. Quando Lucas foi prestar o vestibular lá, era também nossa estreia na cidade. Achei uma gracinha, limpa, bem sinalizada, com os meios-fios pintados e alguns botecos muito interessantes. Foram seis horas de prova, Eliana e eu aproveitamos para dar um giro pela pequena cidade de 34.000 habitantes, que ainda não tem shopping center e aparenta não ter os problemas de segurança que enfrentamos nos grandes centros. Passeamos pelas ruas principais, paramos para um sorvete e pudemos observar que, apesar de pequena, a cidade conta com um comércio bem variado e ativo, com grandes lojas de rede – poderia ser melhor, diz Eliana -, alguns restaurantes interessantes e pessoas tranquilas nas ruas.

Eu via na tela do celular o indicador do moleque mas a imagem não estava nítida, só o ouvia dizendo “passei, véio, passei!”. O alarde foi tal que as pessoas que dividiam comigo a fila para pesar os hortifruti entraram na comemoração, e mesmo na fila do caixa de vez em quando eu olhava para trás e pagava o delicioso mico “meu filho vai ser médico”.

Aquela noite foi meio estranha. Já eram quatro da manhã e eu, excitado, resolvi fazer um plantão boêmio regado a vinho (malbec argentino, naturalmente). Não sabia ao certo como lidar com aquele misto de euforia e medo (sim, eu vi o valor da mensalidade), mas preferi deixar que a euforia prevalecesse, o resto a gente resolve. A gente sempre resolve, né?

Publicado em Sem categoria | 1 Comentário

CISMAS

O pessoal não é dado a deixar comentários registrados neste cafofo, mas de quando em vez sou abordado por outros meios para fins exclusivos de levar esporro pelo que escrevi. Acho graça e tento compreender, é divertido tentar. Até telefonema recebi após publicar ‘Vade Retro Religio’, não imaginei que a celeuma fosse chegar a tanto. “Aquilo que você escreveu… rapaaaaaz!…”.

Herege sem conserto ou uma alma atormentada precisando ser salva? A maioria me chama mesmo de ateu, ainda que eu não tenha lá muita ideia do real significado disso. Ariano Suassuna gostava de contar a história de Galdino, figura conhecida de Taperoá na sua Paraíba natal, que ficava ‘danado’ se alguém dissesse que era ateu. “Dizem que eu não acredito em Deus, isso é mentira. Eu acredito, só não simpatizo muito com ele”.

É bem possível que eu siga a mesma linha de Galdino. Nunca soube também, com um mínimo de exatidão, o que significa agnóstico, mas admito que jamais me dei ao trabalho de estudar os comportamentos, verdades, vicissitudes ou o que seja necessário para compreender o que leva as pessoas à necessidade desse tipo de devoção, que não raro redunda em extremos violentos. Sabia que era algo ligado à religião, coisa que nunca figurou no meu espírito como algo importante pra passar de ano. Alguns séculos antes esse meu comportamento faria de mim a picanha da vez naquelas fogueiras de purificação.

Durante minha infância as beatas da vizinhança me olhavam com um misto de repúdio e extrema curiosidade diante das bombas que eu jogava em forma de opinião, mas o que de fato lhes causava espanto era o fato de eu ser absolutamente contrário à violência e às brigas de rua – comuns aos garotos de 10 anos da comunidade de então -, estudioso, bom aluno, disciplinado e avesso ao uso de palavrões, exatamente o contrário do meu irmão 11 meses mais velho que era coroinha. Mas eu dizia sem pudores que achava missa uma coisa ridícula, então meu destino estava traçado na mente daquela gente.

Já na idade adulta, durante um treinamento teórico na empresa, a instrutora-psicóloga convidou os presentes a declararem o que pretendiam dizer a Deus no ‘momento do grande encontro’. A maioria ficou no lugar-comum do tipo ‘eis-me aqui, Senhor, seu servo pecador etc etc etc’, mas me lembrei que o mundo estava em guerra, Saddam era caçado em todo canto, crianças morriam de inanição na Áfica e nos sertões do meu país e, na minha vez, tasquei um ‘vai começar a se explicar agora, ou quer tomar um chopp antes?’. O tempo fechou e a brincadeira acabou ali. Democraticamente.

Mas, enfim, é isso: não é que eu não acredite, o fato é que não confio no deus dessa gente. Cruel, preconceituoso, rancoroso, vingativo, orgulhoso, carente, vaidoso e, sobretudo, incompetente. Tipo ‘eu sou ótimo e infalível’, aí você dá uma olhada em volta e vê uma merda de mundo já em adiantado estado de decomposição, se pergunta ‘que porra é essa, cadê o deus fodão?’ e recebe de resposta algo como ‘não nos cabe questionar os desígnios do Senhor, é o livre arbítrio’, como se as erupções do Etna e a falha de San Andreas também fossem culpa minha. De quebra ninguém explica a contradição entre a consagrada verdade absoluta ‘não cai uma folha de árvore sem a permissão de Deus’ e o tal livre arbítrio. Onde exatamente se encontrariam essas duas paralelas?

Quando as pessoas finalmente perceberem que nunca-jamais-em tempo algum falei do Deus delas, mas apenas delas, talvez passem a respeitar um pouquinho meu ponto de vista.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário