Na academia tudo correu conforme aqueles padrões de normalidade que dão sono. Seis quilômetros de esteira, um supino aqui, halteres e abdominais ali, resolvi dar os trabalhos por encerrados quando a vontade de morrer começou a preocupar.
Ao chegar em casa o sol, já tomado de timidez, ameaçava se esconder atrás do prédio em frente. A intenção mesmo era encarar o chuveiro, mas aquele cri-cri dos diabos passou a me incomodar. Vasculhei toda a cozinha e nada de achar a origem daquele barulho. Chutei as latas de lixo, abri e fechei armários, e aquele sonzinho intermitente me atazanando.
Resolvi explorar o resto da casa, já meio desanimado, quando percebi que estava provavelmente lidando com um grilo ventríloquo. Pelo barulho estava na sala mas, ao mesmo tempo, chamava minha atenção para o quarto do meu filho. O suor voltou a escorrer testa abaixo, parecia que halteres e grilos possuem um poder equivalente sobre a minha frágil fisiologia. Num eito (adoro mineirês), descubro o elemento entre as plantas da sacada. Profundo conhecedor que sou dos achetas domesticus, deduzi que se tratava de um adulto, pois possuía asas.
O bicho resolveu me desafiar e deu um duplo mortal carpado para o chão. Lá ficou, imóvel. Foi quando tive a ideia de buscar um saquinho plástico de supermercado (sim, aqui é casa de pobre e reutilizamos embalagens até de requeijão. Aliás, principalmente de requeijão) para tentar capturar a criatura, devolvê-la à natureza via arremesso da sacada (“do 4º andar não tem problema pra ele”) e, finalmente, a tão sonhada ducha!
Minha porção majoritariamente otimista imaginou que seria a mais tranquila das tarefas. Mas como pulava, o infeliz! Num momento de – imagino eu – cansaço, consegui cercá-lo e de repente estava embrulhado pra presente. Deu mais trabalho porque minha maior preocupação era não ferí-lo, eu acredito no direito à vida e isso inclui até o Malafaia. Por que não o grilo?
Acho até que me bateu uma demenciazinha além do habitual, pois de repente me vi dando conselhos para um grilo, falando com ele no diminutivo: “não se debate não, fio, assim vai ferir sua perninha”. E o bicho lá, pulando alucinado como se não houvesse amanhã. Talvez já soubesse que não haveria.
Em um derradeiro momento de cansaço aquietou-se e eu, com um cuidado danado, fui introduzindo a abertura do saco plástico para um dos vãos da rede de proteção, até que, finalmente, o bichinho se lembrou de que tinha asas e saiu voando. Só que escolheu um vôo ascendente, em direção ao telhado do predinho ao lado.
Foi quando um pardal, que até então não tinha entrado na história, resolveu literalmente meter o bico na conversa.
Alguns poucos segundos antes eu estava todo pimpão, me achando um herói do meio-ambiente.