OLHA O GÁS!

Finalmente, ao cabo de dois longos meses, consegui achar um tempinho para ir a Minas conhecer Benício, meu primeiro neto. Menino bonito, dirão alguns que é a cara do vô, mas a modéstia não me permitirá concordar sem um muxoxo falso e desavergonhado. Mas o moleque é bonito pra cacete.

Minha filha, ao fim de sua provável procura por Shangri-Lá, aportou no Rio de Janeiro, onde conheceu meu genro Vinícius para depois, já como família, fincarem bandeira na já nem tão pequena mas ainda bela Patos de Minas. Terra de sua mãe e respectiva família, a visita me permitiu rever meus cunhados-irmãos, minha sogra nº 1 e a sobrinhada. Daquela família toda, eu só me separei da mãe da minha filha, o resto é minha família. Pra sempre. Amo.

Claro que rolou o tradicional churrasco no sábado à noite, na casa de um cunhado. Amanheceu domingo e me carregaram para o mercado municipal para comprar carne e sei lá mais o que. A ideia era fazer um legítimo arroz de carreteiro no almoço na casa da sogra e juntar toda a gang. Acompanhada – tradição é coisa séria – da cervejada e daquela conversa mole, que nos fez cúmplices eternos e que só nos permite a divergência quando o assunto é futebol. Ainda assim, sem muito radicalismo.

A viagem nem estava exatamente nos planos, mas já havia decorrido tanto tempo que não dava para adiar mais, até porque daqui a cerca de um mês o trio filha-genro-neto vai se mudar para um pouco mais longe, lá na terra de Camões. Então, foi um mísero fim-de-semana para percorrer 1.000 quilômetros, matar a saudade de um monte de gente, conhecer gente nova, babar no neto e planejar uma visita menos corrida em alguns meses do outro lado do oceano.

Atendendo a uma sugestão dos cunhados, resolvi retornar por Uberlândia, aproveitando as inúmeras vantagens da pista dupla que a partir dali perduraria até Goiânia. Só me esqueci de combinar com o gps, que me mandou para Itumbiara via Tupaciguara, o que no começo me levou a estranhar a demora para chegar no posto do Trevão e a depois me lembrar do governador de Minas toda vez que caía numa das crateras da estrada.

Num desses pontos de grande emoção resolvo ultrapassar uma caminhonete velha num retão de quase um quilômetro. Foi no final desse retão que um cidadão de uniforme me mandou parar. Disse que eu havia sido flagrado realizando uma manobra perigosa e proibida no local. Concordei que qualquer manobra naquela rodovia era uma tentativa de suicídio em potencial, mas ele parecia não ter atualizado o modo senso de humor. Na verdade a razão do procedimento era o fato de que eu teria realizado uma ultrapassagem sobre faixa contínua. 

Na boa, mesmo numa rodovia que não estivesse respirando por aparelhos como aquela não haveria motivo minimamente inteligente para proibir ultrapassagens no local indicado, pois era totalmente plano, não havia faixa adicional em nenhum dos sentidos nem lombadas que pudessem criar pontos cegos. Tentei fazer a autoridade policial entender isso, mas o cidadão insistiu. Convidei-o, então, a uma visita ao local da ultrapassagem, ocasião em que seria possível observar que as faixas da pista não passavam de lembranças praticamente invisíveis de um passado longínquo. Aí ele me falou que havia uma placa indicando a proibição de ultrapassagem, foi quando mostrei que havia uma floresta cumprindo com maestria a tarefa de escondê-la. 

O homem não demonstrava muita disposição para o debate, seus dois colegas pareciam mera figuração. Quando ele cismou de levantar a voz falando em segurança própria e de terceiros, tive que mandar a real: “com esse asfaltozinho sem-vergonha e essa sinalização mequetrefe, o máximo que podemos concluir é que o governo que o senhor representa está cagando para a minha segurança e a de terceiros”. O assunto, então, passou a ser o famigerado desacato a autoridade. Perguntei aos até então calados colegas daquele que parecia ser o chefe se eles concordavam com a tese de que ao mostrar que a autoridade não tem razão eu estaria cometendo crime de desacato. Calados permaneceram.

Pelos mesmos motivos que de há muito deixei de discutir com os talibãs do Malafaia, achei por bem permitir que o bom-senso tomasse conta da situação e só pedi a minha via da multa, tomando o cuidado de humildemente solicitar ao agente que não se atrevesse a inventar multa por desacato ou coisa do gênero, porque isto me levaria a representar contra ele por abuso de autoridade, com os colegas cujos crachás fotografei arroláveis como testemunhas.

Acabei sendo liberado, com a informação de que receberia a notificação da infração pelo correio. Alguns dias após a chegada em casa leio a notícia sobre o cara que foi assassinado numa câmara de gás improvisada num camburão da polícia rodoviária. Parece que o delito dele foi tentar imitar o presidente boçal de um país desses aí, que gosta de trafegar de moto sem capacete. 

É pouco provável que leve a sério a decisão, mas naquele momento eu imaginei que seria bom doravante falar somente o necessário quando me encontrar numa situação de, digamos, inferioridade, como um palestino diante da galera do Mossad. Lembrei-me de Pedro Aleixo e daquela história do guarda da esquina, acho que corri algum risco.

Vai que, né?

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10 respostas para OLHA O GÁS!

  1. Sinhá disse:

    Parabéns pelo Benicio e fico feliz pelos seus bons momentos ao redor da familia.
    Boa sorte pro casal em terras de Camões.

  2. Monica Bello disse:

    Negão, sua forma de escrever é muito agradável de ler. Você consegue humor numa situação de aborrecimento.
    Gostei muito da forma humilde de avisar ao policial pra não multar por desacato.
    Felicidade para o netinho!

  3. Karla disse:

    Negão foi mto bom nosso encontro lá em Patos, nada planejado,fiquei sabendo que vc ia depois que cheguei.
    Não vamos demorar tanto tempo, pra outro encontro. Nosso Netinho Benício é lindo. Claro que eu tbm sou vovó. Um beijo meu amigo, cunhado e meu irmão.

  4. Rogério Veloso disse:

    Nós até tínhamos esboçado um planejamento, né? Mas, que bom que deu certo!

  5. Rogério Veloso disse:

    Obrigado, Monikita, a gente tenta extrair leite de urtiga de vez em quando. Nunca consegue, mas é divertido tentar. Obrigado pela visita.

  6. Rogério Veloso disse:

    Sinhá, eles devem fincar bandeira em Sintra, espero que dê tudo certo. Meu genro é profissional de muito alto nível, tem tudo para se dar bem por lá.

  7. Revalino disse:

    Olá, Rogério. Parabéns pelo neto. Lamber cria é maravilhoso e lamber cria da cria, mais ainda. Quando você começou a narrar os fatos da ação policial me preocupei com os desdobramentos, considerando os acontecimentos recentes. Um abraço.

  8. Leandro Kdeira disse:

    Parabéns pelo neto e texto, Rô!
    Quanto aos boçais, melhor evitar o embate.
    Abraços na família!

  9. Rogério Veloso disse:

    Obrigado, meu amigo. O triste nisso tudo é que meu neto irá morar na Terrinha daqui a poucos dias, então serei um vovô visitante, queria ser companheiro. Acho que me deixei levar pela indignação ante o comportamento do policial, acho que corri riscos ali.

  10. Rogério Veloso disse:

    Obrigado, Lelê. Na medida do possível tenho evitado confrontos inúteis, mas às vezes simplesmente não dá.

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