GENTE TRISTE

Comecei a perceber a proliferação desse tipo de bicho há alguns anos, principalmente aos domingos. Pensei que se tratavam apenas das chamadas viúvas do Senna, mas aos poucos a coisa foi ganhando contornos mais dramáticos. Nos espaços destinados à opinião dos leitores oferecidos por jornais e blogs, o que mais se lia era a expressão ‘pé de chinelo’, uma espécie de corruptela para Barrichello. Parecia que as pessoas não perdoavam o Rubinho por não ser tão bom quanto o Senna, aquilo foi crescendo até virar antipatia, e daí para a má vontade foi um pulo. Nem adiantava eventualmente ganhar uma corrida, era pé de chinelo e pronto.

Passou-se o tempo e a artilharia pesada migrou para o Massa. Como ele precisava de um apelido depreciativo, alguém resolveu que ele era a cara do Zacarias, e assim passou a ser chamado pelos membros do clubinho fechado. Não interessava se o jogo de equipe era algo praticado desde sempre (e que fez a alegria do Senna muitas vezes), o Zacarias tinha que voltar para o kart, o autorama ou o videogame, porque Fórmula 1 não era para ele.

Enquanto esse objeto de estudo sócio-psico-comportamental se restringiu às ondas televisivas e ao asfalto dos autódromos, era aquela coisa bobinha de gente estranha e insatisfeita consigo mesma.

Mas eu fui ficando assustado mais recentemente, de uns anos para cá, porque parece que os Gremlins beberam muita água e viraram monstrengos onipresentes e incômodos.

Além de especialistas em corridas, mesmo sem nunca ter entrado sequer num fusca envenenado, passaram a se achar experts também em política, economia e ética. Ficava cômica a cara de gênio que faziam ao dizer “eu li na Veja…”, sempre encerrando com uma frase de efeito que era facilmente identificável nos meios marrons dos hebdôs.

E aí o caldo entornou: essa turma que não se tolera achou que nós outros temos que tolerá-la. Ao humor putrefato juntou-se uma pitada de ausência de espírito, uma dose cavalar de intolerância com quem pensa diferente e a certeza de que sempre foram senhores da razão.

Pronto, nem precisou de catupiry.

De quebra ainda passou a rolar aquela mania feia de escolher o motivo da revolta, o objeto da indignação. Como um dos ingredientes era a parcialidade, obedecem cegamente a norma de jamais voltar-se contra seus iguais, mesmo que isto represente aguentar uma trolha em tese incômoda. Também não se permitem ler algo fora do que recomenda a cartilha das pessoas de bem, porque gente diferenciada tem que manter a compostura.

É inegável que os padrões são rigorosamente observados, o que garante a qualidade naquilo a que se propõe. Para melhor aplicação dos ideais da turma, deixo algumas instruções aos neófitos: o ideal é negar qualquer vestígio de ponto positivo se a iniciativa é do adversário que na verdade é inimigo mortal, disseminar nas redes sociais tudo o que for bombástico e tiver aparência de fim de mundo, cuidando para que a replicação chegue ao maior número de pessoas. Assim se consegue uma melhor quantidade de seguidores-distribuidores, que não são propriamente atentos, não se preocupam com a veracidade das informações porque já se habituaram com o discurso de que aquela fonte é segura ou foi replicada por alguém de confiança. De vez em quando vai aparecer uma notícia-que-não-querem-que-você-saiba, dizendo que a partir de agora só nos aposentaremos com 105 anos de contribuição e 160 de idade, que o filho do ministro é dono da NASA e que Elvis não morreu, mas vive de forma nababesca numa ilha isolada às custas do governo brasileiro, dos nossos impostos! Não se esqueça de jamais duvidar.

Recomenda-se seguir os dogmas da igreja dominante, torcer para o time certo, ter a orientação sexual considerada normal e, de preferência, acreditar cegamente que o Brasil foi descoberto somente em 2003. 

Se, somado a isso, ainda sobrar um tempinho para o patrulhamento sobre o vizinho, estará garantido ao Brasil um degrau na galeria dos lugares mais chatos pra se viver. 

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