IMAGENS E MITOS

De vez em quando me bate saudade do tempo em que saía por aí, violino ou violão a tiracolo, para fazer barulho ao lado dos amigos de sempre. Fosse um simples recital da escola, um show ou cantata de Natal, arrancar som de um instrumento sempre me deu um prazer sem tamanho.

Durante um tempo Jane, minha maestra e cúmplice, regeu o coral de uma igreja evangélica na vizinha Trindade, a uns 30 km da minha casa. Eu participava com o violino, já que cantando não faria nem o do ônibus. Há uns 15 ou 20 anos foi agendada uma apresentação de Natal e fizemos um monte de ensaios dentro da própria igreja. O repertório era a regra para esse tipo de evento, algumas músicas-chiclete, um pouco de Bach, um Beethoven aqui, uma Simone ali, e ao final ficou uma miscelânea bonita e agradavelmente homogênea.

A apresentação seria em praça pública, num local especialmente preparado pela Secretaria de Cultura do município, promotora do evento. O secretário era um espetáculo à parte, entusiasta até a medula de tudo o que dizia respeito à produção cultural local, que não é pouca. Fizemos nossa apresentação, o povo aplaudiu adoidado e o secretário de fato tinha ido com a nossa cara. Acabou nos convidando para conhecer as instalações da secretaria e uma espécie de museu cultural de Trindade.

Em que pese eu ser um agnóstico de carteirinha e a galera do coral ser totalmente evangélica, nunca tivemos um único conflito. Principalmente porque sempre nos ativemos à música, religião não era pauta.

O museu da Secretaria de Cultura de Trindade era bem amplo, com obras distribuídas por cômodos e saletas, por tipo, autor e época de produção. Ali havia exemplares de livros diversos, partituras, instrumentos musicais, quadros, cartazes alusivos a peças teatrais e até mesmo uma convocação à população para fazer figuração num filme dirigido pelo grande João Bennio (que me atrevo a chamar de Glauber Rocha de Goiás) que teve local nas ruas da cidade.

Até que… bem, falou mais alto a dificuldade enfrentada pelos evangélicos desde sempre em diferenciar arte de religião. Numa das salas se encontravam diversas esculturas feitas por artistas plásticos trindadenses, boa parte representando animais ou bustos. Foi o suficiente para o vade retro tomar conta de muitas das cabeças e consciências do coral, e de nada adiantaram meus argumentos de que estávamos diante de obras de arte, que nada daquilo representava Maria ou São Cripoquó.

O mais ‘sensato’ que ouvi foi “eu sei, mas mesmo assim me causa mal estar”. Ponto.

Sempre me dei bem com aquela galera e não seria esse fato isolado capaz de estragar tudo. Citei especificamente os evangélicos porque era o caso, mas analiso católicos, espíritas e até mesmo aquela turminha lá longe que adora detonar uma bombinha e sempre chego à conclusão de que não ter religião é o canal. Prefiro assim, desconfio que seria uma pessoa muito triste se fosse “um deles”. Minha noção de liberdade talvez tenha dimensões mais amplas.

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