ZEFINÍ, MAS CONTINUA

O ano de 2011 foi bem esquisitão, em se considerando a quantidade de fatos inéditos. Primeiro meu processo involuntário de emagrecimento que ia a todo vapor após o tratamento contra a hepatite C, que me encolheu dos antigos e bem-amados 72 kg para exatos 60 (dois ou três anos depois os 60 kg viraram 91 por obra e graça da gloriosa tireoide, mas isso é outra história). Além da sensação de fraqueza decorrente da perda de massa muscular, ainda tive que reformular o guarda-roupa, pulando do manequim 40 para o 36, se não me engano. Meu layout estava assim mezzo Marco Maciel mezzo mapa do Chile, um mimo, silhueta era força de expressão. 

Em seguida a novidade realmente porreta: a viagem a Paris, longamente planejada e finalmente realizada. Juntando os familiares de sempre com alguns amigos, éramos 16 aloprados doidinhos pra conhecer o Louvre.

Eu manjava de francês tanto quanto minha mãe mandava bem em física quântica. Aliás, ninguém da turma ia além do sivuplé, randevu e mercibocu. No começo foi aquela coisa chata de chegar impondo o inglês pra rapaziada, que não sem razão mostrava profundo incômodo. Franceses e ingleses não se bicam, no máximo se toleram, e isto tem origem em algumas guerras e outras tantas invasões ao longo da História. Descobri com o passar dos dias que esse mal-estar era facilmente evitável, bastando iniciar a conversa com algo shakespeareano mais simpático, tipo “desculpe, não falo francês; podemos conversar em inglês?”. 

O encantamento e o desejo de poder voltar outras vezes fizeram florescer a vontade de aprender a língua, então providenciei minha matrícula na Aliança Francesa assim que cheguei de volta à Terra Brasilis.

Sim, o francês é uma língua latina como nosso português, mas isso não significa que seja moleza. Pelo contrário, há fonemas e regras sintáticas que chegam a arder a pleura se resolvermos cumprir como se deve, mas é, por outro lado, algo altivo, musical, apaixonante. 

Ao cabo de 11 ou 12 semestres de estudos, leituras, provas, mudanças de nível, novos colegas, novos professores, festas, projetos, progresso, cheguei ao final do curso regular. Em seguida eu me submeti ao DELF, que vem a ser a sigla para “Diplôme d’Études en Langue Française”, um diferencial para quem se candidata a um emprego ou estudos em qualquer nível em países francófonos. Passei, meio que batendo na trave, mas passei. Esse diploma era algo que só alcançaria minha própria vaidade, porque nem patrão eu tinha mais para reivindicar uma promoção. 

Os últimos três anos foram os mais marcantes e divertidos, porque mantivemos a turma e a professora e, com isso, ultrapassamos as barreiras de corpo docente/discente e nos tornamos simplesmente bons amigos. Estou lhes devendo um churrasco aqui em casa, a despedida foi meio dolorida.

Em que outro lugar um dia de prova viraria motivo para festa? A carga horária era de três horas, então quando havia avaliação nos habituamos a concluir em no máximo duas e depois era a hora dos queijos, vinhos, patês, pães e o que mais fôssemos capazes de comprar na base do rachid. Se a vida toda eu nunca encarei os estudos como um fardo ou obrigação, na Aliança Francesa a coisa beira a covardia, tamanho o prazer e a diversão, o que imagino explicar o aprendizado parecer que flui mais natural e rapidamente.

O fim do curso deixou um certo gosto de luto, que tentei atenuar participando de turmas extras exclusivas para conversação. Da minha turma alguns se mudaram de cidade, de estado e até de país, a pandemia também fez seus estragos e encolheu a escola, muitos professores e funcionários partiram para outras aventuras e projetos profissionais. Ainda nos comunicamos esporadicamente via grupo de WhatsApp, mas espero mesmo que venha a ser possível um reencontro, senão com todos, pelo menos com os possíveis.

De repente a saudade bateu. Matá-la será bom para a alma.

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