Entre 2008 e 2011 eu me submeti a um tratamento pesado contra o até então bem escondido vírus da hepatite C. O uso de antivirais poderosos como interferon e ribavirina implicou um monte de efeitos colaterais como anemia, momentos de intensa fadiga, imunodepressão, emagrecimento importante e uma dor no conjunto cabeça-tronco-e-membros que não cessava.
Resisti e continuei trabalhando, até que minha gerente determinou que eu tirasse licença médica, porque minha teimosia não estava ajudando nem a mim nem à empresa. Acabei cedendo à determinação, e o que imaginei que seriam 25 dias de licença acabou se transformando numa ausência superior a um ano. Nesse meio tempo continuei levando minha vida, convivendo com minha família, lendo, escrevendo e tocando meus instrumentos.
Em determinada ocasião fui convidado a tocar violino numa solenidade da empresa, me parece que alusiva ao dia das mães. Topei, só não sabia que isso iria gerar tanta conversinha paralela por parte dos justiceiros de plantão, que tinham decretado que quem sai de licença médica precisa necessariamente permanecer 24 horas na cama, de preferência em coma e respirando por aparelhos.
Após esse episódio aprendi que empatia é uma coisa rara feito filho de quenga chamado júnior e, em especial, que analisar as situações de forma precipitada e superficial pode gerar algum dano até a quem não precisa de inimigos.
Este gancho é para comentar um vídeo que assisti numa rede social, que denuncia uma suposta funcionária da prefeitura de São Bernardo do Campo, que teria passado cerca de um mês no Egito durante período de licença médica. As inferências instantaneamente viram verdades absolutas, a ‘reportagem’ fala que a viagem foi bancada por dinheiro público, que ela estava recebendo sem trabalhar, etc, etc. Um mais iluminado que os outros a chamou de ‘biscate’ na área de comentários.
Não tenho certeza se o vídeo foi de fato produzido pela Rádio Bandeirantes de São Paulo, ou se foi uma forma de dar ares de seriedade à ‘reportagem’. O fato é que se trata de uma ‘peça jornalística’ sem data, que expõe a mulher ao citar seu nome completo, duvida publicamente de sua honestidade e, ainda, reproduz o que seria uma tentativa de entrevista por telefone.
Consultei os ácaros aqui de casa e observei que até eles sabem que salário recebido por servidor público não é dinheiro público; já foi, porém ao ser depositado na conta do servidor deixou de sê-lo porque passou a ser bem privado. Eles também sabem que só recebe proventos decorrentes de licença médica quem contribui para o órgão previdenciário, ou seja, é um direito que assiste ao segurado.
Mas o que vale é a versão, o fato a gente vê depois. O importante é que o vídeo já ultrapassou a barreira das 100.000 visualizações.
Claro que é sempre possível que pessoas cometam irregularidades, fraudes e outros crimes contra a administração pública, mas não é isso que entendo estar em jogo. Nem toda licença médica impede as pessoas de viajar, seja para o Egito ou para a baixada fluminense, então até prova em contrário ela não cometeu crime algum. Consequentemente, não cabe a jornalistas ou a quem quer que seja se dirigir ou referir a ela de forma desrespeitosa ou acusatória. Se sabem de algo concreto, e detêm as provas, que façam a denúncia junto às autoridades, não aos juízes do Facebook.
Por enquanto, se alguém cometeu algum crime foi quem a chamou de biscate.
É sintomático o destaque que o vídeo dá ao fato de ela ter sido candidata pelo PT, deixando transparecer o real objetivo da ‘reportagem’. Ontem a turma da situação publicou um post ‘denunciando’ a jornalista Danuza Leão de preconceito contra os pobres, o que automaticamente faz dela uma coxinha. Anteontem o outro lado publicou matéria requentada falando sobre o suposto apoio do Planalto à indicação do tal Gim Argello para assumir cargo no TCU, coisa de petralha. Eu resolvi já há algum tempo que não iria mais me aborrecer com essa briguinha idiota entre o bem e o mal, até porque esse maniqueísmo cretino só destrói. Mas no caso desse vídeo resolvi me manifestar, porque de certa forma o silêncio pode retroalimentar a crueldade.
Se o tal vídeo foi de fato produzido por jornalistas, agradeço aos céus por eles não terem se decidido pela medicina.
Pois é amigo! Os ” juízes ” do Facebook são tanto cruéis como irresponsáveis. São ilegítimos, pois ninguém lhes conferiu esta autoridade! Não se preocupam em denegrir a imagem das pessoas sem a menor preocupação com a verdade. E depois, se o fato for desmentido, é tarde demais! Depois de 100.000 visualizações a reputação da pessoa foi por água abaixo sem retorno!
Se houver prova em contrário, eles simplesmente se calam. Daí o caráter canalha desses tipos.