DE GAIATO

Como autêntico tupiniquim que não se deixa abalar por um reles 7×1, desde sempre sou chegado numa boa peleja do rude esporte bretão, conhecido mais popularmente como ludopédio. Sempre que há chance vou ao estádio torcer pelo meu time e, no mais das vezes, volto para casa meio tonto e muito afônico.

Não que eu seja fanático, como algumas pessoas que conheço que chegam a adoecer quando seu time perde, mas me lembro de duas situações que enfrentei em que o fanatismo alheio ou a simples falta de noção quase me botam numa fria. 

Episódio 1 – Maracanã, 1991 – Botafogo 3 x 3 Vasco da Gama

O personagem desse jogo não entrou em campo, mas foi ao estádio comigo. Era consenso entre os amigos que Liminha só não era um espírito de porco juramentado porque media pouco mais de 1,55m, não cabia um suino ali. Para complicar era tricolor, do tipo que levava uma lata com pó de arroz nos jogos do Fluminense, mas topou ir comigo ao Maraca naquele dia porque eu já tinha ido com ele em alguns jogos de seu time e nossa amizade transcendia essas paixões futebolísticas. O cara bebia bem, era figura considerada no Amarelinho e nunca nos faltou mesa por ali. Bom papo, leal e engraçado, de vez em quando me bate saudade daquele puto, que resolveu ir de repente (2004) para o andar de cima sem consultar as bases do partido.

Nós nos acomodamos no meio da torcida do Fogão, e pedi encarecidamente ao Liminha que não revelasse seu time do coração pra ninguém ali. Pedi por pedir, porque já tinha sido um parto a fórceps convencer o cara a deixar na gaveta a camisa do Fluminense.

Pelo placar deu pra perceber que foi um jogão, né? Começamos ganhando com gol do Valdeir, o Flash, o Vasco empatou, fizemos 2×1 e o Vasco empatou de novo para em seguida virar o jogo. Jogo duro, juiz ruinzinho, meio que simultaneamente a torcida se lembrou do mantra da época que enaltecia o centroavante Chicão, que costumava fazer gol até de bunda. Era um Nunes melhorado, acabou se tornando o artilheiro do campeonato naquele ano e, por consequência, nosso santo padroeiro.

“CHICÃÃÃO… CHICÃÃÃO… EÔ-EÔ-EÔÔÔÔÔ…”

Liminha entrou no clima e gritava a plenos pulmões o canto da torcida, mas notei que me olhava de um jeito meio sacana. Eis que a torcida de repente se cala, Liminha não percebe e entrega o jogo:

“CHICÃÃÃO… CHICÃÃÃO… FELADAPUTA, CABEÇUDO E ORELHÃÃÃÃO…”

Não deu para não notar, dada a eloquência que o palhação imprimiu ao canto de guerra. Na época não havia tanta violência nos estádios, mas achei melhor catar o indivíduo pelo cangote e cair fora do estádio, porque a galera já estava olhando meio atravessado e nos apontando o dedo no melhor estilo “aqueles dois ali”. A traquinagem do meu amigo me impediu de ver o gol de empate aos 40 do segundo tempo. Marcado por quem? Chicão!

Episódio 2 – Mineirão, 1992 – Atlético-MG 1 x 1 Flamengo

Fui designado para um trabalho de auditoria externa em Belo Horizonte, em companhia de alguns colegas do Rio de Janeiro. Um deles, meu bródi Ricardo Rossi, flamenguista doente (com o perdão da redundância), me arrastou para o estádio naquela noite que tinha tudo para ser tranquila.

O Mineirão é possivelmente o único estádio no mundo onde se come churrasco com feijão tropeiro e espetinho de queijo, então eu não estava muito em condições de reclamar da vida. Mas, além de ter que ir assistir ao jogo do Flamengo, ainda tive que ceder à insistência do Rossi e nos juntamos à mulambada que tinha ido do Rio até BH em cerca de 40 ônibus fretados.

Joguinho chato, um gol de pênalti e outro de falta, achei estranho que perto dos 40 do segundo tempo a polícia veio chegando e nos cercando com cordas. Um dos policiais nos informou que havia motivos para acreditar que a torcida do Atlético nos esperaria lá fora para uma confraternização do tipo que não gostamos, e que a determinação do comando era que permanecêssemos nas arquibancadas até que as coisas se acalmassem no solo.

Beleza, acabou o jogo e aceitamos o cárcere privado como alternativa para fugir da violência. Mas parece que faltou a polícia combinar com a administração do estádio, porque após cerca de 40 minutos todas as luzes foram apagadas. Maior breu. Coincidência ou não, naquele momento começou a operação sai-fora-mulambada, os policiais nos orientando na medida do possível, e a pergunta que eu me fazia a cada 15 segundos era “o que é que eu tô fazendo aqui?”.

Ao nos aproximarmos da saída notamos que a torcida do Galo pode ter todos os defeitos, mas demonstrou ser muito paciente: estavam todos lá, nos esperando. O contingente policial estava longe de ser suficiente para dar conta da batalha campal que se anunciava, eu olhei para o Rossi e propús que usássemos de toda nossa valentia para avançar em direção à retaguarda. Assim fizemos e, por sorte, encontramos um táxi desocupado saído sabe-se lá de onde. Não me lembro de termos aberto as portas, mas de repente já estávamos lá dentro em direção à Rua Rio de Janeiro, nosso porto seguro. Notei, ao chegar, que o Rossi esteve tão focado em tirar o time que se esqueceu de tirar a camisa do Flamengo. O tempo todo eu corri ao lado de um alvo móvel.

Passados tantos anos, vez por outra reencontro esses colegas-amigos e nos divertimos relembrando essas passagens a que o trabalho direta ou indiretamente nos impôs. A maioria acha que daria um livro.

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3 respostas para DE GAIATO

  1. Ricardo Rossi disse:

    Amigão, saudades de nossos tempos de labuta. Nessa ocasião fazíamos a verificação da qualidade dos cadastros de contas vinculadas do FGTS em poder dos bancos arrecadadores, visando a transferência para a CAIXA. So enriquecendo sua crônica, o gol do Mengão foi feito pelo cidadão Leovegildo, conhecido por Junior, vulgo “Capacete”. Originou-se de uma falta à esquerda do ataque do Mengão que o “Capacete” colocou com maestria lá no “ninho da coruja” do goleiro do Atletico, que naquela ocasião era o João Leite. Valeu Rogério, parabéns pelo blog e um forte abraço do amigo Rossi.

  2. Rogério Veloso disse:

    Se me lembro bem, nossa missão era fazer auditoria de cadastro no Banco do Brasil, e nosso parecer foi negativo. Estranhamente (tá, nem tão estranhamente assim), jogaram nosso parecer no lixo e o Banco do Brasil migrou assim mesmo, com porrilhões de problemas cadastrais que as chamadas forças políticas nos fizeram engolir.
    Sei bem que o gol do Flamengo foi marcado pelo Júnior (nós estávamos quase atrás do gol, né?), dia desses num programa da ESPN ele citou esse gol como um dos mais bonitos de sua carreira.
    Muito bom tê-lo aqui nos comentários, volte sempre. Beijo na família.

  3. Ricardo Rossi disse:

    Exatamente meu amigo. O presidente da CAIXA na ocasião era o ex-presidente do Banco do Brasil, que não vou citar o nome para não dar ibope pro cara (rsrsrsrsrs). Realmente, nossas andanças dariam um belo livro. Forte abraço e recomendações à família. Em tempo: Vou ver se localizo e mando pra você as fotos que tiramos quando de minha passagem ai em Goiania, ocasião em que amoçamos juntos com o Saulo e as respectivas esposas.

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