O SUCESSO E VOCÊ, TUDO A VER!

Se havia algo que me tirava do sério no trabalho eram as frases feitas, geralmente inventadas por espertinhos de boa oratória que se aproveitavam de palermas com poder de mando em estatais, e mesmo em empresas privadas com administradores preguiçosos. 

Era um tal de agregar valor pra cá, visão sistêmica pra lá, e no que eu conseguia chegar perto de decorar uma dessas inutilidades ela saía de moda. De carona vieram termos como ‘gap’, ‘approach’, ‘benchmarking (lindo!)’, ‘case’, ‘meritocracia’ e expressões cuticuti como ‘brilho no olho’, ‘capital intelectual’, ‘amanhã vou estar telefonando’, além da imbatível e imortal ‘quebra de paradigmas’.  

Passou a doer um pouco mais no momento em que chegaram os tais 5S. Era terminantemente proibido, quase um sacrilégio, botar meia sombra de dúvida que fosse sobre a eficácia dos 5S, que constituiam conceitos japoneses traduzidos foneticamente para o português. Só consigo me lembrar do Seiri (utilização, ou descarte), não por ter me apaixonado pela palavra mas porque ela lembrava outra, shiri, que significa ‘bunda’ e foi muito utilizada por mim e alguns colegas atentados para trolar a galera comportadinha e enquadrada.

O conceito 5S chegou ao Brasil trazendo dois grandes estigmas: a) demorou cerca de oito anos para dar as caras em terras tupiniquins, num momento em que os chamados Tigres Asiáticos, onde surgiu e se desenvolveu, estavam fazendo água feito o Titanic, também infalível até prova em contrário, e b) nenhum desses ‘S’ era de salário.

Com o tempo o fenômeno foi perdendo força, até as palestras que éramos obrigados a assistir foram rareando. Eu me lembro de um certo Magela, que se apresentava como palestrante (bobo de pegar na merda), cuja utilidade real era nos deixar putos quando tomávamos conhecimento do quanto levava de cachê.

Achei que esse período trevoso tinha chegado ao fim. Achei, mas reconheço o arrepio ante dois fatos ocorridos hoje: o rádio do carro estava ligado, a programação legal indo de Lula Barbosa a Maria Gadu e Amy Winehouse, até que a mensagem publicitária indicava um curso de técnicas de vendas e soltou a expressão ‘seja um provocador de resultados’. Caraca!

Mais tarde, resolvi abrir minha caixa de e-mails. Dei de cara com um convite para algo parecido com uma palestra do tipo que adoro. O texto inicial é assim:

“Há 25 anos, 2 jovens se formaram no mesmo curso, na mesma universidade.
Os dois eram muito parecidos:
Notas acima da média…
Sociáveis…
Tinham sonhos ambiciosos para o futuro…
Recentemente, os dois se reencontraram na festa de comemoração dos 25 anos de formatura.
E continuam parecidos: Ambos são casados… Com 3 filhos… E trabalharam na mesma empresa…
Só tinha 1 diferença:
Um deles era o gerente de um pequeno departamento da empresa, e o outro era o presidente.”

Após o inevitável enxugamento de lágrimas (eu ando muito emotivo, ultimamente), me veio à lembrança a vida de cão que leva um presidente de empresa que conheço. Não tem uma vida na verdade, envia e-mails para seus funcionários às quatro da manhã, a família toda só sai de casa em carro blindado e acompanhada por um monte de guarda-costas. Férias? Fala sério! Quando resolve tirar uma semana de folga a galera toda sai do país, com medo de sequestro. Estou pensando em mandar um e-mail para o palestrante, perguntando o que fazer para me tornar o gerente de um pequeno departamento da empresa, mas acho que ele não está exatamente preparado para discorrer sobre isso.

A propósito, estar aposentado é muito bom.

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