O BESTÃO

Assim que acabou a Peppa eu desliguei a TV e resolvi buscar nas internets notícias quentes do Brasil e do mundo. Não achei muita coisa que preste, mas pelo menos pude constatar que ainda existe aquela figura caricata que atende pelas iniciais FHC. É que o Aecim nunca mostrou a criatura no horário político que dizem ser gratuito, então pensei que o bico doce que lecionou na Sorbonne tivesse finalmente conseguido a cidadania norte-americana, livrado nossa cara e passado a dar palpites na vida sexual da Michelle Obama. Desconfio que o Aecim tava era com vergonha, feito o Serra.

Para meu desencanto o homem ainda é brasileiro e, pior, continua convicto de que está liberado para falar aquela bobajada a que sua boquinha de ornitorrinco engravatado se acostumou a cometer impunemente. Fiquei sabendo que ele ainda respirava graças ao mais novo barro que soltou por via oral.

Em 1998, quando seu internacionalmente conhecido ego era lustrado pela faixa presidencial, o quatrocentão soltou uma pérola de um lado inesquecível e de outro fedendo a rabo dormente, ao dizer que “fiz a reforma da Previdência para que aqueles que se locupletam da Previdência não se locupletem mais, não se aposentem com menos de 50 anos, não sejam vagabundos em um país de pobres e miseráveis.” Tá certo que perto dele sou pouco mais que um alfabetizado mequetrefe, mas me pareceu que ele falou merda. Primeiro porque vivia dizendo que era o herói dos lascados (que graças a ele teriam deixado de ser lascados) e, de repente, se refere a um país de pobres e miseráveis que eu imagino ser o Brasil. Segundo porque ele mesmo se aposentou mais ou menos 12 anos antes da idade limítrofe da vergonhosa locupletação acompanhada de vagabundagem.

Até onde conta nossa história, ele teria sido aposentado compulsoriamente pela ditadura aos 37 ou 38 anos de idade. Mas, por coerência e para não ser auto-considerado um vagabundo, poderia ter dispensado os proventos, né não? O chato nisso tudo é que eu, uma vez cumprido o contrato que firmei com a Previdência Social e contribuído ao longo de 36 anos e dois meses, me aposentei aos 51 e de imediato fui enquadrado como mais um vagabundo-locupletante do FHC-que-se-aposentou-com-38-anos-mas-não-é-vagabundo-porque-não. Ao inseto tucano, uma pequena resposta-homenagem:

 

Esta semana fomos agraciados com mais uma pérola, graciosamente oferecida pelo boca murcha: segundo sua massa cinzenta festejada nos meios intelectuais, Fiesp incluída, “O PT está fincado nos menos informados, que coincide de ser os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT, é porque são menos informados”. Em miúdos, Minas e Rio de Janeiro são estados cuja população é majoritariamente imbecil; somente São Paulo, a locomotiva do Brasil, possui eleitores realmente conscientes e inteligentes. Os estados do nordeste, então, são o cocô do cavalo do bandido. Aí aparece aquele bando de idiotas raivosos postando mensagens racistas, etnocentristas e xenofóbicas, e a tucanada faz cara de paisagem.

Eu sempre tive certa desconfiança dessas pessoas excessivamente teóricas, porque vivem num mundo à parte e demonstram alguma dificuldade no mundo físico. O boca de bagre não foge à regra, e deu uma pisada na bola de ruborizar qualquer malandro iniciante. A certa altura de seu reinado, quando catava o Malan e ia a NY levar chicote no lombo, se engraçou com uma jornalista da Globo. Sim, um caso típico de chapéu de vaca em cima de dona Ruth. Ocorre que a danada apareceu grávida, então a Globo, toda solícita, transferiu a senhorita para o exterior para abafar o caso. Justiça seja feita: FHC assumiu o baby, passou vários anos pagando pensão, segurou a peteca junto à primeira dama. O problema é que um exame de DNA comprovou que o filho não era dele, após 18 anos de pensão!

Aí um corno de amante se dá o direito de chamar os outros de burros, vê se pode!

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FIM DE FÉRIAS

É meio esquisito um aposentado-que-não-faz-nada sair de férias, mas aconteceu. E eu nem pedi. Finalmente minhas férias não solicitadas terminaram na tarde de hoje, alguns minutos antes da aula de francês.

O caso é que o WordPress resolveu me dar um calote, numa prova de que é muito mal agradecido porque só o que eu fiz foi atualizar a plataforma para a versão 4.0. Daí o desinfeliz travou tudo feito um jegue e passou a fingir que não me conhecia. O máximo que eu consegui nos últimos 25 dias era ler as baboseiras que já publiquei, e só. Deixei de ser o administrador do blog, todos os ambientes restritos que tentei acessar me trataram como se eu fosse um turista latino em aeroporto americano. Virei passageiro.

Mexi, fucei, dei porrada na mesa, busquei ajuda com São Google e acabei me rendendo ao suporte do UOLHOST. Fui cozido esse tempo todo em banho-maria, “faz isso, faz aquilo, limpe o cache, atualize o browser, qual é a versão do Chrome?, estamos vendo aqui que está tudo certo com seu blog, a página está carregando normalmente, senhor, algo mais senhor?, o UOL agradece, senhor”.

Desde o início eu sabia que a página estava carregando normalmente, e informei isso no primeiro contato. Até que me lembrei de um cara porreta que me ajudou muito na construção do blog. Mandei um e-mail para o Hamilton com as informações que detinha, e ele começou a romper a trilha. Sugeriu que eu pedisse ao UOLHOST que informasse os motivos por que eu não conseguia o acesso por FTP. A resposta:

Prezado Cliente,

Em atenção a sua solicitação, informamos que o serviço de UOL HOST BLOG não permite acesso por FTP ao ambiente.

Qualquer dúvida ou dificuldade, entre em contato novamente através deste chamado ou com os canais abaixo:

– Chat Online: http://uolhost.com.br/atendimento-online.html
– Telefone: Número 4003-9011 (Capitais e Regiões Metropolitanas) ou 0800 881-9011 (Outras Regiões)

Pedimos sinceras desculpas por eventuais transtornos que lhe tenham sido causados.

Permanecemos a disposição para apoio,

O plano B seria o acesso pelo MySQL, que é um banco de dados até simples, mas que permitiria talvez entrar sob a pele do blog e desfazer algumas alterações de plug-ins recentes e, assim, com alguma reza, conseguir desbloquear. Então, pedi os dados de acesso ao MySQL. A resposta:

Prezado Cliente,

Em bases de dados geradas por aplicativos não há possibilidade de editá-los.

Também não há como fornecer um backup do banco de dados num plano de Blog.

Permanecemos a disposição.

O legal nisso tudo é que eles permaneceram o tempo todo à disposição, apesar de não terem resolvido p*%$@ nenhuma. Passei ontem essas informações nada alvissareiras para o Hamilton, que me devolveu hoje o blog desbloqueado, desatualizado, lindo e maravilhoso. Sei lá como ele conseguiu, só sei que é fera.

Então, é isso: assim que der publico alguma coisa que preste, mas não pretendo falar de eleição, talvez dos prejuízos causados pelo fanatismo de todos os lados que permeia estas eleições.

Eu tinha uma matéria legalzinha sobre um restaurante razoavelmente acessível para as pessoas com deficiência aqui em Goiânia, mas as fotos estavam em meu celular que, por infelicidade, morreu afogado. Pretendo retornar lá e fazer novas fotos, aí publico. Além de tudo o cardápio de lá é pra comer rezando.

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REFORMA DA REFORMA

Li estes dias no Portal Imprensa a notícia de que estaria para ser avaliada, pelo Senado Federal, uma proposta de nova alteração da língua portuguesa, desta feita na grafia. Querem detonar o H inicial (passaremos a escrever ‘omem’, ‘oje’, ‘elicóptero’), o U quando não pronunciado (‘qero’, ‘qinze’, ou ‘kero’, ‘kinze’, sei lá) e outras coisas do gênero. Acho que o resultado será nivelar os livros de Câmara Cascudo e João Cabral de Melo Neto com as postagens adolescentes do facebook, apesar de terem dito que a intenção é facilitar a alfabetização, que consome tipo 400 horas-aula ao final do ensino médio. Para ler a matéria, clique aqui.

Os defensores da ideia ainda afirmam que os alunos saem do mesmo ensino médio sem saber ler, o que é fato. O que também é fato e foi abordado en passant é a ausência do hábito da leitura, que poderia permitir até a ousadia de uma redação. Nenhuma alma se dispôs a analisar nossa qualidade de ensino desde o fundamental e a falta de incentivo, cobranças aos alunos e inclusão nos conteúdos programáticos da leitura e interpretação de livros literários. Também não me lembro de ter lido sobre o custo de atualização de todo o acervo literário, técnico e pedagógico presente.

Particularmente me junto a uma maioria de jornalistas, que refutam a necessidade de nova alteração do português aqui falado, cantado, escrito e frequentemente judiado.

Numa dessas redes sociais o assunto foi abordado e, como é comum ocorrer, as pessoas deitaram comentários. Dentre eles um escrito totalmente em shakespearês, cujo autor de nome bem abrasileirado diz que só utiliza o inglês, que é muito melhor para pesquisas no Google e reconhecimento eletrônico da fala. Também disse que acha absurdo manter um idioma nascido do latim, uma língua morta, e que pouco lhe interessa o que poderá vir a acontecer com nossa língua portuguesa. Ante minhas considerações de que tais vantagens arrancaram de meu espírito a interjeição ‘grandes merdas’, que um dos pilares da cultura de um povo é o idioma e que não vejo razão para renegá-lo, o cidadão retrucou em português dizendo que se referiu ao inglês porque nós não sentimos orgulho de nosso idioma e, ao invés de aprendê-lo, o reduzimos.  Também disse que o inglês é motivo de orgulho para seu povo (fiquei na dúvida se se referia à Inglaterra ou aos EUA) que é mais rico culturalmente do que nós, pobres tupiniquins de tanga, e o exporta para outros países.

O carinha trabalha com software e, como sei que linguagem de programas de computador é mais Maria-vai-com-as-outras que pele de camaleão, relevei. Resolvi não retrucar, passei da idade de bater boca virtualmente.

Mas fiquei matutando sobre as afirmações do colega de comentários e ainda acho que ele está equivocado. Não acho que ingleses ou americanos tenham uma cultura mais rica do que a nossa. Principalmente os norte-americanos são muito bons em propaganda, além de ainda dominarem economicamente o planeta em diversas frentes. É claro que isto faz muita diferença.

A definição mais abrangente e aceita para cultura é o conjunto de costumes, sistemas, leis, religiões, produção e tradições artísticas, culinária, ciências, crenças, mitos, folclore. Assim, é claro que há muito que ser feito no tocante a certos costumes, que fazem de nós um povo merecedor de críticas. Nos falta educação e, por consequência, senso de cidadania. Um dos resultados mais sensíveis disso é a falta de civilidade, que se traduz em egoísmo e na facilidade com que jogamos lixo na rua, não respeitamos os direitos alheios, poluímos ruas, parques, rios e mares, estacionamos nossos carrões em vagas que não nos pertencem, paramos sobre a faixa e não respeitamos o pedestre. Nossa falta de cidadania permite grassar o jeitinho, o ‘cafezinho’, a sonegação. Nós nos acostumamos com o ‘rouba, mas faz’, e fomos doutrinados a não questionar os chamados poderosos porque não é de bom tom. Também não valorizamos nossa memória.

Por outro lado, não conheço país algum no mundo que tenha o boi bumbá, o bumba meu boi, Cora Coralina, as Cavalhadas, catira, sincretismo religioso, carnaval, forró pé-de-serra, Martinho da Vila, chimarrão, feijoada, Drummond, bossa nova, literatura de cordel, tudo dentro de um único território e com uma única língua e vários sotaques.

Nós somos culturalmente pobres ou péssimos em propaganda?

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SINISTRO…

Sei que não é de bom tom, por isso não vou lembrar aos israelenses que – de acordo com entrevista concedida por um professor da UFRJ à Globonews – foi sua ala ultradireita (aquela que ainda hoje está no poder) e o não menos glorioso Mossad quem, há vinte anos, praticamente criou o Hamas. Originalmente sua criação tinha o objetivo de sacanear o Arafat e sua OLP, mas aos poucos a criatura foi ganhando alma, virou partido político, elegeu um monte de gente principalmente na Cisjordânia e, no melhor estilo Jérôme Valcke, deu um chute no traseiro dos criadores.

De certa forma foi bom negócio para Israel, porque enquanto estiver combatendo os malucos do Hamas, não precisará colocar em pauta as reivindicações dos palestinos de Gaza, que incluem a retirada de colonos que foram assentados após a expulsão de milhares de palestinos de suas terras, além da retirada das tropas de Gaza y otras cositas más. Mas acho que não deveria estar falando isso, porque o povo de Israel é muito melindroso, é perigoso se sentir ofendido até se eu disser que são judeus.

O governo brasileiro se atreveu a dar pitaco e deu no que deu: aquele porta-voz, que mistura no mesmo discurso bomba com futebol e é a cara do pai do Kick Buttowski, soltou os cachorros lutadores de Krav Magá, nos chamou de anões inexpressivos e ganhou o importantíssimo apoio da galera da Veja, cuja capa desta semana está um primor:

Capa da Veja desta semana. A revista é da opinião de que o Brasil não tem que se meter com o genocídio promovido pelos judeus.

Capa da Veja desta semana. A revista é da opinião de que o Brasil não tem que se meter com o genocídio promovido pelos judeus.

Na figura, imagem de Harold, dublê de pai do Kick Buttowski e porta-voz bobinho de Israel.

Na figura, imagem de Harold, dublê de pai do Kick Buttowski e porta-voz bobinho de Israel.

Tem uma coisa que me intriga: se Israel detém tecnologia de última geração, a ponto de dispor de um sistema que se encarrega de detonar as bombinhas arremessadas pelos babaquaras do Hamas, além de outras situações em que restou comprovado o formidável desenvolvimento científico-tecnológico do país, não seria mais fácil, barato e com milhares de corpos a menos se resolvesse simplesmente detonar o real inimigo, que é o próprio Hamas? Poderia ser uma ação por terra mesmo, com o efetivo e as armas que tem, e em questão de – poucos – dias, o Hamas seria reduzido a um triste capítulo da história da humanidade. Sobraria, então, tempo para limpar outro triste capítulo da história, mas aí seria necessário que Israel reconhecesse a qualidade humana dos palestinos, sua necessidade de autonomia e de ter uma pátria para chamar de sua, não esquecendo que, pelas convenções internacionais, seu território é inviolável.

Algo me diz, porém, que o buraco é mais embaixo. Tal e qual menino birrento e mimado, Israel se vale do regimento da ONU que só permite determinadas resoluções após votação unânime, sabendo do voto sempre amigo do não menos pernicioso governo americano.

Ninguém questiona o direito à própria defesa. Mas quando se produzem 1300 corpos, a maioria de crianças, mulheres e idosos, os chamados civis, além de milhares de feridos e mutilados de um lado e 55 mortos, sendo 52 militares do outro, peço vênia para imaginar que talvez a coisa esteja meio desigual, tipo 7×1 como disse o idiotinha. Se existisse ONU, alguém de lá chamaria isso de genocídio, crime de guerra, limpeza étnica.

Assim, Israel se sente livre para testar novas armas, inclusive as proibidas como as bombas de fósforo. Como se sabe, do ponto de vista da lucratividade a indústria de armamentos dá o maior pé. Em se tratando de um povo belicoso que domina os bancos e a mídia no mundo, quem haverá de se indispor impunemente?

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MEU VELHO

Em outubro seo Otávio, meu pai, completará 84 primaveras. Vive às turras com minha mãe, de 78, devido à sua irresistível inclinação para uma cervejinha. Ou uma caixa, se possível. Minha mãe não tolera o álcool e tem lá seus motivos mais que justificáveis, já que perdeu o pai e um filho, meu irmão mais velho, para a marvada.

O velho está aposentado há algumas décadas, mas nunca conseguiu ficar parado. No início da aposentadoria vivia embaixo dos carros da vizinhança (todo motorista profissional com mais de 30 anos de volante é também mecânico), ou ajudando a levantar um muro, pintar uma parede. Nunca cobrou nada, mas o pagamento vinha na forma de uma gentileza aqui, outra acolá. Política de boa vizinhança deve ser mais ou menos isto. Hoje já não tem essa disposição toda, e se tornou um devorador de livros – inclusive os clássicos -, detonador de revistas de palavras cruzadas e jogador de vídeo-game. Isso tudo entre uma latinha e outra.

A vida toda foi muito correto, e me alegra a consciência de que herdei isso dele. Herdei também um desvio congênito de coluna, mas não se pode ganhar sempre. Acho que o mais significativo que puxei do ácido desoxirribonucleico do velho foi o otimismo, a socialização automática e uma boa dose de irreverência. Também a brabeza, nas poucas oportunidades em que foi necessária.

Fui o caçula até os 16 anos, quando nasceu o bródi Christiano. A história do nascimento do carinha dá bem a dimensão da façon de vivre de meu pai. Naquela época ele era funcionário público do Estado de São Paulo e trabalhou na representação de SP em Brasília até se aposentar. Era a embaixada do Maluf, Quércia e outras aves de rapina que habitaram o Palácio Bandeirantes e iam regularmente a Brasília em busca de dindim. Como o Hospital do Servidor Público de São Paulo ficava a mais de mil quilômetros, a representação do governo de SP em Brasília firmou convênio com um hospital, meio capenga, que vez por outra era cancelado, para atendimento aos servidores locais.

Numa dessas minha mãe entrou em trabalho de parto. Correria. A primeira parada foi um hospital no Plano Piloto, que alegou não ter condições de atendimento. Então, jogaram minha mãe numa ambulância e correram talvez todos os hospitais públicos do Distrito Federal. Minha mãe gemendo. Meu pai pediu então ao motorista da ambulância que se dirigisse ao primeiro hospital procurado, que era o conveniado. Em lá chegando, pegou uma cadeira e, no meio do salão, colocou minha mãe sentada, avisando aos presentes assustados que dentro em pouco assistiriam ao nascimento de uma criança.

Misteriosamente apareceram médicos, enfermeiras e sala de parto, meu irmão nasceu e nesse meio tempo o convênio foi retomado. Passado o tempo necessário de internação, era chegado o momento de voltar para casa.

Meu pai deixou minha mãe e meu irmão no carro e retornou ao departamento financeiro do hospital para assinar os documentos do convênio. Só que tinha uma surpresinha: foi apresentada uma fatura cobrando alguns procedimentos em tese cobertos pelo convênio, o popular ‘por fora’. O velho achou que era desaforo, bateu o pé e disse que a cobrança era ilegal e não pagaria, virou aquele angu de caroço até que uma alta autoridade de lá sentenciou: se não pagar não poderá levar a criança para casa.

Meu pai, então, deu o mata-leão na incrédula equipe de cobrança: “pois então fiquem com essa criança aí, que eu não quero mais”. E saiu porta afora, sem dar ouvidos aos chamados desesperados da galera de branco, que não sabia que já estavam todos no carro.

Acho que até hoje devem se perguntar sobre aquele recém-nascido que desapareceu da maternidade, após ter sido abandonado pelo próprio pai.

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TEMPLUM ARGENTI

Eu já tinha achado bem esquisito que a LBV, aquela entidade que possui um monte de gente chata encarregada de me aporrinhar pelo menos uma vez por quinzena para pedir donativos para suas crianças, tivesse erguido em área nobre de Brasília um templo nababesco. Tanta ostentação deve ter custado bem mais de 300 reais, e eu passei a não ver sentido em contribuir para aquela contradição em forma de entidade filantrópica.

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Quando imaginei que já tinha visto de tudo neste mundo, eis que a Universal supera com sobras a concorrência, com a inauguração do Templo de Salomão, obra multimilionária que vem sendo questionada até mesmo por líderes evangélicos. Em reais eu acho que até nem consigo dizer quanto custou, mas passando para o dólar seguramente foi um monte.

Templo de SalomãoSegundo a própria igreja, o templo está implantado em um terreno de aproximadamente 28 mil m² na Avenida Celso Garcia, no bairro do Brás, em São Paulo (SP), e o complexo, que tem quase 74 mil m² de área construída e dividido em dois grandes blocos interligados por uma nave, pode abrigar confortavelmente um pouco mais de 10 mil pessoas sentadas.

A cerimônia de inauguração, prevista para este mês, deverá contar com a presença ilustre de diversas autoridades, incluindo a presidente Dilma, deputados da corrente evangélica e outros menos cotados, além daquela galera que deve estar morrendo de raiva de trabalhar na Record. Ao que parece, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad ainda estão avaliando se pulam no fogo ou na frigideira.

A IURD, porém, dá sinais de que, por opção, dificilmente haverá culto com casa cheia, apesar da capacidade. É que virou moda o padrão Fifa, o que significa que pobre não entra. A lista de restrições à entrada no tempo é grande, destacando-se trecho de um comunicado distribuído aos fiéis: “Pedimos às visitantes que não usem minissaias e outros tipos de roupas sensuais. Uniformes de clubes esportivos ou outras instituições, bermudas, chinelos, camisetas sem manga, bonés e óculos escuros tampouco serão permitidos. Vista-se como faria se fosse encontrar socialmente com uma pessoa importante”.

De quebra, para entrar no megatemplo “todos os visitantes serão revistados” e o uso de câmeras, celulares, tablets e qualquer dispositivo eletrônico será proibido. “Haverá local para armazená-los fora do templo”, diz o comunicado. Ainda assim, pelo menos até 2015 não será para qualquer um: ou você é convidado ou participa de caravana, por módicos R$ 45,00, para “se encontrar com o próprio Deus, na casa dele”.

Ou seja, o Deus do Templo de Salomão é muito maior, mais importante e digno que o da capelinha do alto do morro. Palavra de Macedo. Amém.

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TÁ ESQUISITO

Meu altíssimo quociente de imbecilidade vem me causando certo sofrimento ultimamente. Tá difícil entender algumas coisas, fico com vergonha de perguntar e aí a coisa vai desandando como se fosse normal desandar.

Falei aqui recentemente que jamais votaria no Aécio, pela figura em si e pela gang que o segue, mas o Aécio que eu conhecia era aquele que descia o cacete no Bolsa Família e no Mais Médicos, a exemplo de sua caterva.

O que me deixou zureta foi o Aecim falar na Sabatina UOL/Folha/SBT/Jovem Pan que planeja manter esses programas e outros que ‘dão certo’ caso seja eleito.

Como assim, bacuri? A intelligentzia tucana e demônica teria sentido um cheirinho de tiro no pé, após tanto ataque e representações à ONU e OIT?

Fico no aguardo das opiniões do tucano de carreira sobre a política de cotas. Vamos ver se bate com o pensamento reinante entre seus iguais, ou se ele vai caprichar na maquiagem de novo.

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A INICIAÇÃO

Após longo período de desencontros, eis que descubro meu primo Delson no Facebook, e já tivemos um arremedo de retomada de contato, interrompido quando ele foi para o Rio de Janeiro em busca de um terreno fértil para sua arte, e eu me mandei para Goiânia com um objetivo menos nobre: assumir um emprego público conquistado por concurso. Na época morávamos em Brasília e estávamos na faixa dos 20 anos.

Passamos a adolescência juntos, aliás morávamos juntos e, na companhia de meu falecido irmão, aprontamos todas. Vivíamos um período de ditadura militar, nada nos era permitido e simplesmente não aceitávamos aquilo. Então, era um tal de cantar Geraldo Vandré, produzir ou simplesmente assistir a peças de Plínio Marcos e Leilah Assumpção, correr da polícia e seus cachorros nos protestos de rua. Acredite quem quiser, era uma senhora diversão.

Mas nem tudo eram conflitos ideológicos, também tinha o rock pauleira do Deep Purple, Led Zeppelin e toda aquela sonzeira que nos aliviava a alma e enfurecia nossos pais. Em agosto de 2008 publiquei no meu antigo blog um post sobre meu primo e a saudade que sinto dele. Nosso reencontro, ainda que virtual, me refrigerou o espírito e penso que cabe republicar o texto do artigo publicado:

Meu primo Delson aniversariou esta semana e eu simplesmente me esqueci.  Só me lembrei agora há pouco.  Eu estou convencido de que nunca na história deste País houve alguém tão miolo mole como eu para as datas comemorativas.  Querido primo, se te serve de consolo, há uns 10 ou 11 anos eu só me lembrei de que era meu aniversário quando meus pais telefonaram, tipo seis da tarde.

Estava há alguns minutos balançando na rede e olhando pro nada quando me lembrei de seu aniversário, e me lembrei também de uma passagem engraçada de nossas vidas, quando morávamos juntos em Brasília.  Estava eu no auge dos meus quatorze ou quinze anos, cheio de amor prá dar.  Cheio de espinhas, também. Virgem. 

Onde hoje fica Valparaiso, no km. 7 da rodovia Brasília-Belo Horizonte, situava-se um recanto aprazível também conhecido como casa das primas, largamente frequentado pela galera do DF.  Meu primo resolveu me levar lá e, pior, eu topei.  Não me lembro de como chegamos, se tinha ônibus ou fomos de taxi – esta segunda hipótese praticamente descartada pela dureza em que vivíamos – o fato é que de repente eu estava frente a frente com o desconhecido. 

Era um conjunto mal distribuido de casas, estilo faroeste, com as tradicionais luzes vermelhas na porta, cada qual com seu boteco particular e as mulheres circulando ou dançando, outras sentadas ao lado ou no colo dos frequentadores que tomavam cerveja (elas só iam de campari) e meu primo foi à caça para me tirar do atraso. 

Ele fez tudo: achou a criatura, conversou, negociou, pagou, me apresentou, e eu ali, morrendo de vergonha, sem saber onde botava a mão, não conseguia falar nada, mais sem graça que humorístico do SBT.  A impressão que eu tinha era de estar do tamanho de um penico, e meu maior objetivo naquele momento era não ser notado por ninguém.  Não vou dizer que me esqueci da fisionomia da moça, acho que nem cheguei a mirá-la.  Ela me apanhou pelo braço e, desviando daquele monte de gente, rumamos para a área de abate, e até então minha passagem pelo local tinha sido marcada pela discrição. 

Só que meu primo não poderia deixar passar em branco; quando estávamos ganhando o corredor que dá para os quartos ele falou para quem quisesse ouvir: CUIDA DIREITINHO, QUE ESSE É VIRGEM! O aniversariante desta semana se livrou por pouco de ser assassinado naquela noite.

Em outubro estarei no Rio a passeio com a família, e finalmente vou reencontrar meu primo que, assim como eu, passou por maus bocados em passado recente no quesito saúde. Mas como sempre fomos desaforados, vencemos quem estava a fim de nos ferrar.

Beijo, Delson, até lá.

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NO VÁCUO

Mal acabou o thriller ‘Onze homens e uma goleada’, eu ainda nem tinha conseguido deglutir a pipoca com chocolate e já havia no twitter manifestações embolando o meio de campo entre esporte e política. Entre elas uma postagem do arauto da inexpressividade Levy Fidelix, cujo partido nem sei, mas que é candidato a presidente. Tratou de algum assunto como reforma tributária, política ou do sofá, não costumo prestar muita atenção ao que esses caras dizem (afinal, em geral eles não dizem nada).

O que a derrota brasileira de fato despertou em mim foi um temor muito grande de que, à guisa de protesto contra o Felipão e seus comandados, os babacas de plantão aproveitassem para promover baderna nas ruas. Já me chegaram algumas informações sobre isto, por enquanto nada de grande monta, e espero que continue assim. Creio que está mais do que na cara quem são os descerebrados vendidos que se autodenominam black blocs e a quem servem.

Quem leva jeito de também tirar uma lasquinha é o candidato das Geraes, o Garoto de Ipanema. Pode ser que leve algum dividendo à custa do fracasso no esporte, em se tratando desse povinho cretino tudo é possível.

Não tenho candidato para o executivo federal, mas uma certeza me norteia: nunca, jamais e em tempo algum vou dar meu voto para esse playboyzinho cocô, que tem um cavalo como vice e um representante de uma das oligarquias mais podres do nordeste, José Agripino Maia, como coordenador de campanha. Isto sem falar que Armínio Fraga, que recentemente declarou que nosso salário mínimo está muito alto, é cotadíssimo para assumir um ministério num eventual (toc, toc) governo Aécio. 

Na falta de disposição para sair de casa para votar, vou permanecer por aqui jogando paciência. Se tiver que pagar multa, paciência.

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OS TAPADOS

Reconheço que não tenho paciência com gente burra, mas quero esclarecer que essa broxada espiritual é dirigida com exclusividade aos burros por opção ou modismo. Os demais, se o QI não é lá essas coisas por obra e graça da natureza, jogam no meu time e nesse quesito não temos culpa de nada.

Acho que estão na rabeira dessa estirpe os burros remunerados. Chega a ser engraçado isso, mas eles de fato existem e habitam os fóruns de reportagens sobre veículos e, em especial, os de discussão sobre economia e política. Admito que às vezes até me divirto.

Dia desses o UOL publicou reportagem sobre o recém-descoberto mercado de veículos seminovos. Dizia a matéria que, com o valor de um veículo zero km sem opcionais além de travas, vidros elétricos e direção hidráulica, era possível comprar um de padrão superior e completo, com um ou dois anos de uso. Por coincidência eu fiz isso e não me arrependo. A explicação para esse fenômeno é a depreciação muito grande e imediata do bem, assim que bota os pneus na rua. No caso dos zero km para o povão quinem qui eu, entenda-se por completo vidros elétricos somente dianteiros, regulagem de altura e profundidade do volante nem pensar, ABS e airbag só a partir deste ano por força de lei e mais um ‘quase’ aqui, outro ali.

Aí entra a galera do contra. Teve um que jurou só ter trocado um Gol por outro nos últimos seis anos, e que achava normal o preço cobrado pela concessionária. Provavelmente trabalha na concessionária ou é o próprio dono dela, não se descartando a hipótese de se tratar de um engravatado de São Bernardo do Campo travestido de cliente satisfeito. Peguei o Gol para Cristo só como referência, já que os outros são exatamente iguais.

No campo do jornalismo político a coisa não é muito diferente, cabendo ressaltar que são poucos os jornalistas, articulistas e editores comprometidos com a decência. Então, essa massa podre e aparentemente majoritária joga o jornalismo no lixo, trocando-o por uma carreira meio sem pé nem cabeça de ghost writer que mostra a cara. Aí surgem os Reinaldos, Constantinos, Fiuzas e Mainardis da vida, com seu canto monocórdico e absolutamente parcial.

Quando acho justo eu desço o cacete na Dilma. Considero a maioria de seus ministros medíocres e que esse negócio de fazer acordos e negociar apoios é um veneno poderoso. Ocorre que os senhores ensaboados acima citados, caolhos por vocação, não só se recusam a enxergar o que há de positivo no governo como santificam a oposição mesmo quando seus integrantes roubam milhões.

Mas eles têm um mérito: não temem o ridículo. Semana passada meu filho Lucas participou dos jogos anuais promovidos pelo colégio, e eu saí para assistir a uma partida de futsal. A caminho do colégio resolvi ligar o rádio e me dei ao luxo de ouvir um pouco a CBN. De repente o locutor coloca em linha direta o Marcelo Madureira (aquele que acreditou quando alguém disse que ele era humorista) para dizer que achou exageradas as sanções contra o Hannibal Suárez, que a Fifa estava jogando para a torcida, blá-blá-blá. Aí danou a viajar lá longe e disse que eram dois pesos e duas medidas, porque o STF aproveitou a saída do Barbosão pra deixar o Dirceu trabalhar, então o que é que tem o Suárez morder o ombro alheio? Confesso que fiquei mais abobado que o normal com a confissão implícita do ‘comentarista’ que finge não saber a diferença entre tribunal esportivo, Fifa e a mais alta corte brasileira.

Como uma desgraça nunca vem só, em seguida entrou o Arnaldo Jabor, para rechaçar a alcunha de elite branca dada pelos movimentos de esquerda à classe economicamente dominante.

O saco encheu, resolvi pegar um CD e fui curtindo Rastapé e Falamansa até chegar ao colégio. 

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SELVAGEM

Ouvi pela primeira vez a expressão ‘esquerda caviar’ da boca boquirrota do tal de Constantino da Veja, aquela figura cujo cabelo ensebado me leva a concluir que os piolhos ali residentes devem enfrentar graves problemas de colesterol. Ele inclui nesse segmento social as pessoas que, direta ou indiretamente, por meio de declarações ou ações, de alguma forma defenderam ou ainda defendem a liberdade e a justiça, justiça social inclusa, mas que não ostentam sinais exteriores de pobreza ou miséria. Como se sabe, quem é de esquerda ou contra a direita, no mínimo tem a obrigação de passar fome.

Depois a coisa meio que se disseminou entre a autointitulada direita brasileira, culminando com a eleição por aclamação do Chico Buarque como representante-mor da esquerda caviar. O motivo? Ele mora em Paris e, aparentemente, resolveu se desligar das questões político-sociais brasileiras. Não o condeno. Se tivesse a grana que ele tem – conquistada com muito trabalho, diga-se – é bem provável que eu também estaria morando ali na região da Place de l’Etoile. Chega um momento na vida em que remar contra a maré cansa.

O Chico, porém, parece não ligar muito para o que pensam dele:

Analisando bem, acho que me enquadro nessa sub-raça definida pelos playboys da Paulista, porque geralmente me dá nojo o que os endinheirados fazem para ficarem mais endinheirados. Nem é necessário comparar a qualidade e os preços de nossos carros e eletro-eletrônicos com outros países, né? Até porque qualquer conglomerado de comunicação do país afirma sem medo de errar que o problema é a ‘alta carga tributária’. Se as Capitanias Hereditárias afirmam, então deve ser verdade. 

Mas vamos a um fato ocorrido semana passada: um amigo me pediu para fazer a instalação do pacote Microsoft Office em seu notebook. Uma vez comprado o programa, fui até sua casa para fazer a instalação e configurações. Foi aí que percebi o inusitado: há pouco mais de um ano comprei a versão 2010 (Home and Student, ou seja, não profissional) do aplicativo, que inclui o Word, Excel, PowerPoint, One Note e Publisher, cujo CD permitia a instalação em até três máquinas ao preço de cerca de R$ 240,00. A versão comprada pelo amigo é a 2013, cujas diferenças em relação ao 2010 ainda não se fizeram notar, a não ser pelo fato de conter somente o Word, o Excel e o PowerPoint, disponíveis para instalação em uma única máquina. O preço? O mesmo que paguei pelo outro. Pausa para a cara de otário.

A isto dá-se o nome clássico de capitalismo selvagem. Para quem foi bancário como eu, é fácil fazer uma análise crítica sobre o assunto, já que os bancos são os maiores pilares desse sistema que paga 6% ao ano pelo seu dindim na poupança e cobra 8 ou 9% ao mês pelo empréstimo. Mas não se iludam: não é de bom tom falar mal disso, sob pena de virar a bola da vez da isenta imprensa brasileira.

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SEM CULPA

Acabo de ler a excelente crônica ‘Coisas importantes’, publicada por Antônio Prata na Folha online de hoje. Trata de um assunto sobre o qual tenho me debruçado ultimamente, não porque esteja me preocupando, mas porque está preocupando os outros.

Em sua crônica o escritor relata sobre seu espírito dividido entre a obrigação de continuar a escrever seu livro (que já está atrasado segundo a editora) e o jogo Iran x Argélia. ‘Um olho no laptop e outro na TV’, até que a Arena da Baixada faz um golaço no Word. Findos os 90 minutos, e mesmo com o placar final de 0x0, nenhuma culpa, afinal era um jogo da Copa do Mundo, e “Copa não é, de forma alguma, uma situação normal. Copa é uma espécie de salvo-conduto para a vagabundagem”. E não é que ele tem razão?

Não estou muito interessado nesta copa, mas o texto me chamou a atenção a ponto de me levar a fazer um paralelo com minha aposentadoria. Daqui a alguns dias completo dois anos de vida desburocratizada e não poderia estar mais realizado profissionalmente. Sim, porque ficar até altas horas zapeando o Telecine ou algum canal de documentário, acordar entre nove e dez e meia – depende de vários fatores subjetivos -, ficar puto quando o telefone toca interrompendo o Bob Esponja, buscar o Lucas na escola ao meio-dia, levá-lo às terças e quintas ao inglês e futebol, estudar francês às segundas e quartas e ter meu salário creditado todo fim de mês não é para qualquer dinamarquês. Reclamar é pecado.

Meu amigo André, dono do empório próximo à minha casa, é meu maior desafeto. Quando Eliana vai lá ele pergunta pelo vagabundo que vive à custa do governo. Quando é minha vez, ele me pede para contar para todos da fila qual é a minha atividade produtiva. Morre de inveja, o inocente. Mas eu também sacaneio: já contei com riqueza de detalhes as pescarias que nunca fiz, dia desses acordei meio tarde e fui pra lá comprar pão, e ele me perguntou “que cara é essa?”. A cara era de recém-acordado, mas disse que estava meio chateado por ser tão explorado, “você vê, ontem acordei às onze, mal tive tempo de tomar um café sossegado e ler alguma folhas de jornal e já tive que sair para buscar o Lucas. Não tô tendo tempo pra nada!” Para quem abre o empório às seis e fecha às 23h, não sei como ele ainda insiste em ser meu amigo.

Mas, vamos aos fatos: comecei como engraxate, sendo alguns anos depois promovido a operador executivo de frete de feira. O carrinho eu mesmo fabriquei, utilizando madeira de uma embalagem de fogão, pregos e rolamentos. O tempo passa, o tempo voa, e aos 15 anos tive meu primeiro registro em carteira. Desde então foram 36 anos e dois meses de previdência social, com apenas sete meses de desemprego durante todo esse tempo. Caí na besteira de virar auditor da Caixa Econômica, viajei tanto que calculo ter mais horas de voo que urubu da terceira idade. Por obra do trabalho detonei alguns bandidos, fui ameaçado por outros, me decepcionei muito em alguns momentos, tive grandes alegrias em outros. Chegou um momento em que olhei para o espelho, sério feito um calango, e disse: chega, né?

Desde então tenho feito coisas inéditas, que eu já fazia antes mas agora sem obrigação de fazê-las, daí o ineditismo. Vocês deveriam experimentar porque, como disse meu amigo Marcão, ‘existe vida fora do trabalho’. Leio muito, escrevo um pouco, sou paitorista, estudo português, história, geografia e ciências com meu filho Lucas (matemática é praia da mãe, sou inimigo) quando dá na telha toco meus instrumentos, depois de amanhã concluo o quinto semestre de francês e beijo muito na boca. Ah, também bato minha bolinha e tipo duas vezes por semana dou uns mergulhos.

Voltando à crônica do Antônio Prata, lá pelas tantas ele diz: “A gente gasta um tempo enorme escrevendo livros, projetando casas, calculando logaritmos, plantando caquis: cada um concentrado em seu imenso umbigo, crente que de sua pequena tarefa depende o futuro da humanidade. Depois morre e já era.”

Eu fiz questão de aproveitar a primeira oportunidade que a lei me deu, simplesmente porque jamais pretendi deixar para me aposentar quando estivesse respirando por aparelhos. Quero continuar assim, viajando mas com a família, tocando sem precisar de plateia, brincando, estudando, provando para os menos atentos que ser ativo não envolve necessariamente trabalho remunerado, chefe chato e relógio de ponto. Pelo contrário, a vida aqui fora é bem mais serena e agradável e permite, dentre outras coisas, leituras diárias e prazerosas como a que tive hoje. A propósito, Antônio Prata, muito obrigado!

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GZUIS, ME LEVA!

A dinâmica do mundo é algo a ser exaltado, principalmente quando os fatos ocorrem no Brasil. Eu cheguei a imaginar que teria atingido o ápice do testemunho de bobagens e molecagens ao ouvir as declarações daquele secretário de turismo do Rio de Janeiro, que justificou a não realização de obras de acessibilidade (dentre outras) porque as pessoas com deficiência não eram o público-alvo da copa do mundo. Duvida que alguém tenha falado isso? Então, escuta:

Anteontem recebi um telefonema que pôs por terra minha impressão otimista de que tínhamos chegado ao fundo do poço. Do outro lado da linha estava minha amiga Aramita, que é mãe do Lucas, cego de nascença. Lucas deve ter hoje 20 ou 21 anos, e o conheço desde quando era um garotinho de cinco ou seis, quando fiquei admirado ao vê-lo cuidar do jardim de casa. Depois fiquei bestificado ao testemunhar o moleque detonando os adversários no Mortal Combat e outros videogames. A partir daí passei a achar banal que ele fosse torcedor doente do Goiás, grande frequentador do Serra Dourada, que tivesse passado no vestibular da Universidade Federal de Goiás para o curso de Ciências da Computação, colado grau, passado no concurso para o Ministério Público e resolvido cursar Direito atualmente. Desde sempre é assistido pelo mesmíssimo oftalmologista.

Trabalhei com Aramita por mais de uma década, e o tempo se encarregou de me nomear uma espécie de procurador do Lucas. Redigi um monte de petições, cartas, ofícios, protestos, xingamentos, sempre que havia alguma agressão ao moleque, na forma de discriminação ou negativa de direitos. Então, ela se acostumou – e parece que gosta – a ver minha jugular inchada de raiva, e aí se deu ao trabalho de me ligar para relatar o mais recente ocorrido.

Como o Lucas é tarado por futebol, é claro que quis assistir a um ou mais jogos da copa, de preferência do Brasil. A Fifa exige um laudo médico como prova de deficiência (não sei se é oferecido desconto ou a exigência serve simplesmente para alocação de cadeiras), então Aramita ligou para o senhor doutor para solicitar o laudo. Passado algum tempo, ligou para saber se já estava pronto. A secretária do médico disse que ele queria falar com ela.

Para sua grande surpresa, o médico disse que não poderia fornecer o laudo, porque não faz sentido uma pessoa cega querer assistir a uma partida de futebol. Aramita argumentou que o carinha adora futebol, frequenta estádios desde pequeno e, talvez para se livrar da insistência dela, o médico emitiu um laudo em que atesta que o Lucas é cego. Ponto. Também não precisava de mais.

Nós, brasileiros, já estamos acostumados com semi-analfabetos idiotas ocupando cargos de destaque nos vários níveis de governo, bastando para a nomeação a filiação ao partido certo. Pode ser o caso do secretário de turismo do Rio de Janeiro, vez que em pouquíssimos minutos ele assinou verbalmente o próprio atestado de pobreza cultural e espiritual. 

Mas eu fiquei matutando: como é possível um médico acompanhar seu paciente por duas décadas e não conhecê-lo? Mais do que isso, como pode um oftalmologista decretar a morte social das pessoas de quem, em tese, cuida? Seria um atestado de incompetência? De desumanidade?

O fato é que o cara é considerado um bambambam em sua área, mas parece denunciar o próprio paradoxo, por não ter o saudável hábito de enxergar o mundo à sua volta. Estuda muito sobre íris, glaucoma, pupila, papila, córnea, mas nada sabe sobre o ser humano. Ele é muito pior do que aquele secretário boçal.

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ESTUPRA, MAS NÃO MATA!

 “O brasileiro é cordial”. Engraçado que sempre que lia ou ouvia isto, me vinha à cabeça como contrapeso a palavra palerma. Agora, com a tomada do poder pela Fifa, entendi finalmente o porquê dessa cisma.

A tal entidade mafiosa com ramificações no mundo todo já chegou fincando bandeira, e a primeira providência foi detonar nossa segurança jurídica. Impôs a morte por asfixia do Código de Defesa do Consumidor, enterrou ainda vivo o Estatuto do Torcedor e, de quebra, deu uma mijada panorâmica na Constituição. Tudo com as solícitas bênçãos dos nossos gloriosos três poderes, cada um na sua especialidade.

Andei fuçando no site da Fifa criado especificamente para o torneio de futebol envolvendo seleções nacionais, que se realizará daqui a alguns dias no Brasil (eu poderia ter escrito Copa do Mundo, mas parece que é marca registrada pela máfia e não quero ter que pagar royalties), e lá encontrei um documento intitulado “Informações disponíveis referentes a assentos para Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 TM” – esse TM’ me deu a certeza de que dom Joseph Corleone Blatter de fato registrou a marca – e lá encontrei uma coleção de pérolas. As mais brilhantes:

  • O torcedor que adquire um ingresso não tem o direito de escolher o assento, apesar de a Fifa ter exigido que todos fossem numerados. A própria entidade atribuirá um assento específico para o otário torcedor, após a conclusão da compra.
  • Isto significa que famílias ou grupos que tenham comprado ingressos mesmo conjuntamente correm o risco de serem separados, sem direito a mimimi. A Fifa diz que assentos para ingressos requeridos em uma mesma solicitação serão, sempre que possível, localizados um ao lado do outro ou em duas ou mais fileiras consecutivas.
  • Então, você que vai com a esposa e os três catarrentos de 4, 6 e 8 anos, saiba que pode ficar cada um num hemisfério de um estádio lotado. Ainda não li nada sobre qualquer manifestação do judiciário quanto ao Estatuto da Criança e do Adolescente, mais especificamente no tocante à proteção à criança e abandono (involuntário) de incapaz.

Vale lembrar que o mesmo documento do site da Fifa diz que “não é possível solicitar a troca do assento alocado para você”, “o cancelamento e devolução do ingresso não podem ser justificados pela localização do assento” e “por favor, jamais tenha a expectativa de que assentos alocados a diferentes solicitações de ingressos sejam localizados adjacentes uns aos outros”. Uma variação simpática e criativa para o consagrado foda-se.

A Lei Geral da Copa se sobrepõe à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/1996) ao determinar férias escolares na rede pública no mesmo período do torneio, em que pese o fato de que em nenhuma cidade-sede haverá jogos todos os dias. Isto redundará em prejuízo do cumprimento mínimo de 200 dias letivos.

Como a mardita tem o poder de revogar, dentre outras coisas, o Estatuto do Torcedor, algumas das conquistas suadas foram simplesmente jogadas para escanteio, tudo em nome da vocação mercantilista da Fifa e da cumplicidade mezzo cínica mezzo criminosa dos Três Poderes.

Para ficar em poucos exemplos, os prejuízos civis da sociedade se mostram por meio da revogação da proibição da venda e consumo de bebidas alcoólicas nos estádios (cabe um adendo: só pode a cerveja patrocinadora; as demais marcas e bebidas continuam proibidas), da não-responsabilização pela segurança do torcedor que a lei revogada atribuía à entidade detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, da inexigibilidade de estacionamento, meio de transporte, ainda que oneroso, para condução de idosos, crianças e pessoas com deficiência aos estádios, da não proibição de impor preços excessivos ou aumentar, sem justa causa, os preços dos produtos alimentícios comercializados nos locais dos jogos, etc, tudo antes previsto no Estatuto do Torcedor.

E nem falei da roubalheira nas obras, né? Pelo menos proibiram a vuvuzela. Ou caxirola, seja lá o que isso signifique.

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O MOÇO VÉIO

Pode até ser que eu acabe levando porrada qualquer dia desses, mas tem coisas que não aguento ver e ficar calado. Falta de civilidade é uma delas. Já há muito tempo venho lutando contra moinhos de vento ambulantes, que teimam em desrespeitar o direito e o espaço alheios na hora de estacionar. Principalmente nos supermercados e shoppings, o que tem de carro irregularmente estacionado em vagas reservadas a idosos e a pessoas com dificuldades de locomoção é uma grandeza. Se pego no pulo chamo a atenção, normalmente com menos finesse do que eventualmente determinem possíveis regras sociais.

Mas teve um episódio em que apelei para o nonsense, e teve um efeito ótimo. Sábado à tarde, estacionamento do shopping aqui perto de casa, após passar um porrão de tempo procurando uma vaga eu caminho em direção à entrada principal. Eis que noto um casal num carrão bonito, que manobrava para estacionar numa vaga exclusiva para idosos. Tudo certo, não fosse o fato de que o carinha ao volante não tinha 25 anos, pouca coisa a mais do que a mocinha ao seu lado. Resolvi falar a língua deles:

– Pô, véio, tu estacionou na vaga dos véio, véio! O estacionamento tá lotadão, se chegar um véio procurando uma vaga dos véio não vai encontrar, porque tu tá usando a vaga dos véio. Faz isso não, véio! Quando tu ficar véio tu usa a vaga dos véio, mas por enquanto deixa as vagas dos véio pros véio, véio!

É bom destacar que o carinha demonstrou reconhecer que fez caca, mas ficou de cara amarrada porque a possível namorada estava chorando de rir. Ligou novamente o motor e saiu a procurar uma vaga para chamar de sua.

Ainda não me chamaram de inspetor de quarteirão depois que me aposentei, e devo dizer que ficarei assaz puto se ou quando isto acontecer. Não pela alcunha em si, mas pela limitação que ela impõe. Inspetor de quarteirão é coisa para quem vestiu pijama; eu sou inspetor da cidade onde vivo, dos aeroportos que tolero, do supermercado e do banco que ajudo a enriquecer, dos hotéis onde me hospedo e dos prédios que frequento, sejam públicos ou não. Estou juntando umas fotos do monte de crateras que o merda do prefeito atual transformou a cidade de Goiânia, e em breve devo fazer algumas considerações neste cafofo.

Por enquanto vou me divertindo tirando fotos pornográficas como as abaixo:

Uma esquina aprazível para um cadeirante ou carrinho de bebê: um Mitsubishi estacionado em curva, para dar cobertura a um Sandero, que cismou de avançar sobre a rampa na calçada.

Uma esquina aprazível para um cadeirante ou carrinho de bebê: um Mitsubishi estacionado em curva, para dar cobertura a um Sandero que cismou de avançar sobre a rampa na calçada. O poste logo ali é cortesia da prefeitura.

Preferido por 10 entre 10 madames, esta não menos perua foi flagrada estacionada em frente a uma agência do Bradesco, lindamente torta sobre a vaga para cadeirantes. Nem tentem me convencer que se tratava efetivamente de uma pessoa com deficiência; a forma com que o carro foi estacionado denuncia a vergonha alheia.

Preferido por 10 entre 10 madames, esta não menos perua foi flagrada estacionada em frente a uma agência do Bradesco, lindamente torta sobre a vaga para cadeirantes. Nem tentem me convencer que se tratava efetivamente de uma pessoa com deficiência; a forma com que o carro foi estacionado denuncia a vergonha alheia.

Mas eu me diverti mesmo foi quando meu mano velho Billy Saga se juntou a uma turma, que se intitula Coletivo Labuta, e juntos trataram de responder com irreverência e constrangimento a agressão diária que sofrem, agressão esta que não existiria se houvesse um mínimo de respeito humano, senso de vida em coletividade e amor fraterno. A questão é que, mesmo com os avanços que se fazem notar, ainda há muitas barreiras arquitetônicas e culturais a transpor, como o vídeo mostra. Daí a validade da atitude tomada pela turma, em pleno carnaval de 2014:

A única coisa que me aborreceu foi não ter sido convidado.

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