PARTIDAS E DESPEDIDAS

Minha mãe faleceu dois dias após o jantar em que dividi com meu pai e meu irmão um sabor misto de prazer, nostalgia e medo. O sofrimento a ela imposto não foi excessivo, mas também ficou longe de ser pouca coisa, dadas as circunstâncias. Foram 13 dias de internação num período bem marcante para mim, em especial porque eu passei com ela a última noite antes de ser transferida para a UTI. E que noite!

Quando fui comunicado da internação, até então sem a expectativa de nada grave, peguei a rodovia rumo a Brasília e fiquei um tanto inquieto ao notar o retorno do mesmo estado de espírito que me invadiu nos dias que antecederam a morte de minha filha. Uma espécie de premonição, talvez, o fato é que fui invadido por uma angústia forte e persistente. Em frente ao Hospital Regional da Asa Norte, HRAN, parei o carro numa das muitas vagas improvisadas e sujeitas a multa que há por ali e sabe-se lá por quê demorei um bocado para desligar o motor e sair. Durante alguns minutos fiquei dedilhando o volante como se fosse um piano.

Passei várias noites com ela naquele hospital. Na verdade a jornada se iniciava por volta das 15 horas, quando eu chegava e rendia meu pai que ia todos os dias, e lá permanecia até por volta das 10 horas da manhã seguinte, quando meu velho chegava e eu retornava à base para um merecido banho e algum descanso. Quando conseguia dormir um pouco alguns acordes meio caóticos povoavam meus delírios que estavam longe de constituir sono reparador.

Eu não tinha conhecimento do estrago que a falta de sódio produz na pessoa, o que fez com que as crises de demência experimentadas pela minha mãe me fossem aterradoras. Dona Esther sempre foi muito ativa e lúcida, e ainda assim se mantinha nos seus 83 anos, então a experiência de repetidamente e ao longo de horas tentar demovê-la de abrir gavetas inexistentes ‘para pegar uma blusinha’ ou convencê-la de que o cachorro já tinha sido alimentado (o ‘Pretinho’ faleceu há 20 anos) esgotou minhas energias. Passei a noite em claro, porque ela a todo momento fazia movimentos bruscos tentando se levantar da cama, para fazer caminhada ou varrer o quintal (ela estava convencida de que permanecia em casa), o que forçava os pontos em sua barriga e me obrigava a agarrá-la para tentar evitar uma ruptura. Eu fiquei particularmente assustado ao ver minha mãe daquele jeito, mas o que me incomodou muito foi perceber que estava sentindo pena dela. 

Achei o médico que comandava a equipe que cuidava de dona Esther muito gente boa, me explicou com riqueza de detalhes o que seria feito a partir daquele momento mais grave, o que rolaria na UTI, visitas, medicamentos, procedimentos, sempre demonstrando muito respeito. Questionei o fato de minha mãe ter chegado ao hospital andando e não conseguir mais fazê-lo por si mesma, o que me parecia um paradoxo. Ele me explicou que a cirurgia no intestino foi responsável pelas perdas de minerais importantes e, por consequência, determinante para a decadência por ela sofrida. Também me passou algumas impressões pessoais e deu opiniões baseadas em sua experiência profissional, gostei. Por ele fiquei sabendo que não é incomum gente ‘hospedada’ em hospitais particulares ser transferida para o HRAN e outros hospitais públicos quando o quadro se agrava. Claro que os contribuintes pagam por isso, os hospitais particulares não.

Observei minha mãe sendo conduzida naquela maca com rodas até o elevador em direção à UTI. Por um motivo qualquer eu sabia que não mais a veria com vida.

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Uma resposta para PARTIDAS E DESPEDIDAS

  1. Ana Carolina disse:

    Minha vozinha linda, sinto saudade!Deus está cuidando dela !

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