Ao final de tantas viagens pelo interior do Estado, chegamos a um ponto em que a única alternativa era esperar. Torcer e esperar. Foram quatro ou cinco vestibulares que o moleque enfrentou, com esperança, fé e determinação, e eu notava que ele a cada dia sentia o baque, demonstrava cansaço, mas os olhos brilhavam. O corpo padecia, mas a alma nunca foi pequena.
O primeiro resultado foi algo próximo de uma batida na trave, no segundo ele perdeu de goleada e o terceiro se caracterizou por uma correção ridícula da redação e uma nota abaixo do que eu achei que merecia. O suficiente para ele também não passar. De repente fiquei com medo de que o desapontamento que lhe estampava o rosto se tornasse algo mais preocupante.
Mas o cara escolheu medicina, né?, um funil dos infernos, e eu fui evitando aquela clássica argumentação derrotista “todos que eu conheço tentaram durante anos até conseguir passar”. Até cheguei a usar essa ladainha, mas sei que com ele isso não funciona, e também não vejo esse tipo de indecência com bons olhos. Equivale ao tal “entregar pra Deus”, não rola.
Ainda faltava fazer as provas da UnB dali a cerca de um mês e estava mais ou menos na época de sair o resultado do vestibular de Goiatuba, então a poeira foi assentando aos poucos até não haver mais sinais de tensão. Os dias foram passando, eu estava no supermercado quando veio a ligação. Vi que era ele e imaginei que queria me lembrar de comprar os tradicionais porcaritos. Demorei para perceber que era uma ligação de vídeo, ele tentava me mostrar a tela do computador com o resultado do vestibular da Unicerrado. O momento era de festa e a ficha não caía, ficar velho às vezes é um fardo meio triste.
Unicerrado é uma universidade particular sediada na cidade de Goiatuba-GO, a 170 km de Goiânia. Quando Lucas foi prestar o vestibular lá, era também nossa estreia na cidade. Achei uma gracinha, limpa, bem sinalizada, com os meios-fios pintados e alguns botecos muito interessantes. Foram seis horas de prova, Eliana e eu aproveitamos para dar um giro pela pequena cidade de 34.000 habitantes, que ainda não tem shopping center e aparenta não ter os problemas de segurança que enfrentamos nos grandes centros. Passeamos pelas ruas principais, paramos para um sorvete e pudemos observar que, apesar de pequena, a cidade conta com um comércio bem variado e ativo, com grandes lojas de rede – poderia ser melhor, diz Eliana -, alguns restaurantes interessantes e pessoas tranquilas nas ruas.
Eu via na tela do celular o indicador do moleque mas a imagem não estava nítida, só o ouvia dizendo “passei, véio, passei!”. O alarde foi tal que as pessoas que dividiam comigo a fila para pesar os hortifruti entraram na comemoração, e mesmo na fila do caixa de vez em quando eu olhava para trás e pagava o delicioso mico “meu filho vai ser médico”.
Aquela noite foi meio estranha. Já eram quatro da manhã e eu, excitado, resolvi fazer um plantão boêmio regado a vinho (malbec argentino, naturalmente). Não sabia ao certo como lidar com aquele misto de euforia e medo (sim, eu vi o valor da mensalidade), mas preferi deixar que a euforia prevalecesse, o resto a gente resolve. A gente sempre resolve, né?
Eu acho que eu teria uma reação semelhante na fila do supermercado, ou onde quer que fosse…