QUEM?

Eu sou péssimo fisionomista. Já me abraçaram na rua, perguntaram sobre minhas filhas, meus planos de futuro pós-aposentadoria e eu no máximo sabia que conhecia a pessoa mas não me lembrava de onde, sequer o nome da criatura.

No mais das vezes isso me rende momentos de sufoco e constrangimentos, mas já ocorreu de também rolar frustração nesse caldo. Um bom exemplo disso teve lugar em Congonhas, há uns quatro anos. Minha ida a Sampa fazia parte de algo já tradicional, um encontro anual com amigos numa espécie de filial do paraíso denominada Mr. Jack’s, no Shopping Pátio Paulista, ocasião em que aproveitávamos para botar as fofocas em dia, a tristeza pra fora e o chope pra dentro. Como já havia um bom tempo que não via minha filha, que morava no Rio, convidei-a para participar da farra. Só que cheguei no aeroporto quase duas horas antes da previsão de chegada dela, então fui fazer um lanchinho básico enquanto esperava a aterrissagem de seu teco-teco. 

Dei sorte de encontrar uma mesa vaga, a última naquele momento. De repente, um cara se aproxima e me pergunta se eu permito dividir a mesa com ele. Claro, por que não? De imediato vi que aquele rosto não me era estranho mas, enfim, relevei. Na época eu viajava sempre em companhia de meu violino, o cara viu e puxou conversa sobre música. O instrumento induziu a falar sobre os Beethoven da vida, meu novo amigo demonstrou conhecer muito de música erudita, mas depois que contei a ele que adoro tocar o Sabão Cracrá ao violino o nível da conversa retornou à zona de conforto. Disse que seu nome era Marcelo, mas a vergonha me impediu de pedir sobrenome e qualquer outro detalhe que finalmente me levasse à identidade dele.

Pedi mais dois chopes, ele exigiu pagar os próximos. Gente boa. Já estávamos à beira do fim do ano e ele falou sobre a possibilidade do Nobel de literatura para Olga Tokarczuk, que eu solenemente ignorava mas a tal vaidade me impediu de reconhecer, e concordamos com a torcida para Ana Paula Maia para o prêmio literário do mesmo ano no nosso microcosmo. Quando li que ela tinha faturado o prêmio, lembrei-me de meu amigo até então anônimo.

De repente minha filha chegou e, já cansado e ligeiramente mamado, eu queria mesmo era ir para o hotel. Despedi-me de meu amigo e seguimos para o ponto de taxi do aeroporto. Nunca mais o vi, pelo menos pessoalmente.

O encontro com meus amigos de fé ocorreu conforme o esperado, com muita alegria, camaradagem e carinho. Retornamos para casa, minha filha e eu, no dia seguinte. 

Aí passa o tempo e recebo pelas redes sociais um link. O efeito foi devastador, primeiro porque me deixou maravilhado com a qualidade do clipe, depois porque reconheci meu amigo do aeroporto. Sim, fiquei frustrado. Ao acompanhar Marcelo Jeneci no clip percebi o quanto me foi negada (por mim mesmo) uma interação, um melhor direcionamento da discussão sobre cultura popular, sobre política, sobre tudo. Fiquei também um pouco aborrecido com ele, por não ter se identificado como o grande artista que é, mas considerei a possibilidade de ele preferir manter a humildade. O que é um direito, vá lá!

 

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7 respostas para QUEM?

  1. Luís Cláudio disse:

    Cara,tô arrepiado… Quais as chances de esse encontro ocorrer de novo? Caramba..

  2. Marcia Amina disse:

    Eita!!! Vc tem história amigo! Que chance…

  3. Eu também sou péssimo para reconhecer a fisionomia das pessoas e não teria reconhecido o Marcelo. Gosto especialmente das músicas: Pra sonhar; Felicidade.
    Adoro tua escrita e suas histórias, Negão.
    Beijo.

  4. Rogério disse:

    Luís Cláudio, na boa, espero que as chances de um novo encontro cheguem próximas a 100%, afinal o otimismo me define. Já imaginou você, como músico clássico que é, de repente esbarrar num “monstro” desses?

  5. Rogério disse:

    Lelê, sou seu fã de carteirinha, você sabe.

  6. Rogério disse:

    Você também tem histórias, né? Admiro muito você, sua inteligência, seu jeito meio ‘largado’ de ver a vida. Só podia ser psicóloga, né?

  7. Marisa disse:

    Excelente!
    A vida tem dessas coisas, encontros e momentos agradáveis.

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